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Para entrar e querer ficar

Profissionais têm utilizado métodos tradicionais e inovações tecnológicas para oferecer conforto ambiental aos clientes.

 

Espaços de convivência não devem ser apenas belos ou funcionais. Precisam propiciar uma experiência
confortável, com temperaturas razoáveis, boa iluminação e poucos ruídos. Com base nisso, arquitetos e especialistas da construção civil têm lançado mão de diferentes recursos para que os clientes tenham mais conforto ambiental, um conjunto de aspectos térmicos, lumínicos, acústicos e ergonômicos que garantam uma melhor vivência nos ambientes.

Melissa Cacciatori, consultora em conforto ambiental e eficiência energética do CTE – Centro de Tecnologia de Edificações, explica que o tópico é dividido em diferentes áreas para que se possa estudar separadamente as relações entre o comportamento físico dos edifícios e as reações fisiológicas do corpo humano, “que é uma das condições que compõe a experiência de habitar”.

Dessa forma, componentes como pisos, aberturas, paredes e janelas formam um sistema mediador nos espaços, atuando na relação entre estímulos externos e internos. “Um dormitório tem frequentemente a ocupação noturna, na qual não se pressupõe uso prolongado de equipamentos que cedam calor. Diferente de uma cozinha, com ocupação mais diurna, com equipamentos como fogão, forno e geladeira, que cedem elevada carga térmica”, exemplifica a consultora.

Desse modo, projetar espaços com conforto térmico demanda um amplo planejamento para que cada ambiente seja composto por elementos que tornem a experiência de habitar mais agradável. “Classificamos as tecnologias para promoção de conforto ambiental entre ativas e passivas”, explica Melissa Cacciatori. As ativas são aquelas que consomem energia tais como ar-condicionado, ventiladores, aquecedores. As passivas, por sua vez, são os elementos estruturais definidos a partir dos estudos sobre o entorno da edificação. “Idealmente, recorremos às estratégias ou tecnologias ativas, quando as estratégias passivas já foram esgotadas”, diz.

A arquiteta Andressa Gama, atuante na coordenação de projetos da Construtora RVE, pontua que atualmente no Brasil as construções devem seguir a Norma de Desempenho de Edificações NBR 15575, um guia nacional de conforto ambiental, com premissas de acessibilidade, temperatura, iluminação e ruídos. Segundo a profissional, tais normas são importantes para construções de baixo padrão, considerando que são utilizadas pelas famílias por muitos anos, e por isso são mais fiscalizadas. “Já obras comerciais não têm esse tipo de exigência, porque o uso é mais sazonal”, afirma.

Diversos elementos construtivos alteram a temperatura, a insolação e o isolamento acústicos ambientes, desde a posição das janelas até a altura do pé-direito (se muito elevado, o ar quente permanece no alto, mantendo o piso mais frio). “Mas quando o imóvel está construído sem esses recursos, não precisa ir tão longe, basta mudanças como a troca de piso e até o espaçamento de imobiliário”, explica Andressa Gama.

A arquiteta Thais Ruiz detalha o planejamento das melhores estratégias de conforto ambiental. “O primeiro passo é ver as faces do terreno, face norte e face sul, para definir posição da casa no lote, fazendo análise de insolação. Depois ver área de implantação a partir disso”, explica. A profissional aponta ainda que é importante identificar área do vento dominante para ter ventilação cruzada, evitando assim o consumo de energia em equipamentos como ar-condicionado.

“O ideal é tentar escolher materiais de construção com inércia térmica eficiente”, diz a arquiteta. A escolha dos materiais dependerá das necessidades do espaço. Há softwares disponíveis no mercado que auxiliam no estudo das necessidades do projeto. O diferencial será quais decisões serão tomadas a partir das informações coletadas.

 

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O escritório Dal Pian também incluiu brises na cobertura do projeto do Sesc Guarulho, que são reguladas mecanicamente e se inclinam de acordo com a hora do dia. Nos momentos de maior insolação, as peças reduzam a incidência de luz e calor.

 

Soluções

A incidência de luz natural é um dos pontos principais a ser analisados, uma vez que pode influenciar tanto na temperatura quanto na iluminação dos ambientes. Na etapa de posicionamento de janelas e aberturas, o profissional deve levar em consideração como a incidência do Sol irá afetar a rotina dos moradores. “Uma fachada sul por exemplo, tem menor disponibilidade de luz natural do que uma fachada norte, mas tem menor potencial de ofuscamento ao longo do ano em relação à fachada norte. Assim, aberturas maiores orientadas à sul, ajudam no maior aproveitamento de luz, com menor carga térmica”, explica Melissa Cacciatori.

Para Andressa Gama, em regiões quentes é interessante ter blocos com enchimento para ter bloqueio do calor. “Em regiões frias, é interessante usar madeira, que tende a manter o ambiente confortável”. E as escolhas dos revestimentos têm grande interferência, sendo aconselhável o uso de pedras em regiões de muito calor, e pisos de madeira e vinílicos em regiões de temperaturas baixas.

É possível colocar mantas aquecidas com reguladores termostatos que ajudam a controlar a temperatura dos pisos. Thais Ruiz sugere a instalação de uma serpentina elétrica por baixo do piso cerâmico, permitindo climatização. “Com o boom dos painéis solares, é um recurso interessante, com fonte própria para suprir o consumo energético”, opina.

O uso de tecidos é solução para trazer mais calor em regiões frias. Tapetes, cortinas, sofás, poltronas, dentre outras peças, ajudam a reter o calor, ao passo que a falta delas torna os espaços mais frios. “Se uma casa tem muitos móveis, o ar não circula. Então você pode mudar a mobília dependendo da época do ano”, esclarece Andressa Gama.

Detalhes como plantas nos interiores, que trazem frescor e alteram a umidade do ar, também podem ser empregados. E as cores devem ser incluídas no planejamento do conforto térmico. “Não se costuma ver prédios com fachadas escuras porque tem um grau de refletância que absorve muito calor”, diz. Nos interiores, paredes claras ajudam a difundir a incidência de luz.

 

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No centro do átrio inundado por iluminação natural, um amplo jardim com espécies exuberantes de Mata Atlântica deu vida ao design de interiores e o teto verde que circunda a claraboia contribui para o controle da temperatura. Certificado com o selo Leed Gold e totalmente automatizado, o Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein teve a Perkins&Will São Paulo como responsável pelo seu planejamento, tornando-se referência arquitetônica no país.

 

Estando a iluminação natural resolvida, é necessário pensar nas soluções de iluminação artificial. “O layout é um ponto de partida, é preciso respeitar o uso do espaço”, afirma Thais Ruiz. A coloração de luz é um dos pontos que deve ser levado em conta, variando se o ambiente é de descompressão ou de trabalho, assim como o posicionamento. “É importante entender as superfícies e o quanto de luz elas refletem ou absorvem. Cores escuras precisam de mais fontes de compensação”, completa.

Quando o assunto é a livre circulação de ar, Melissa Cacciatori recomenda que as aberturas sejam feitas para as direções predominantes dos ventos e posicionar aberturas em paredes opostas, para promover ventilação cruzada. “Também podemos explorar o efeito chaminé, que demanda aberturas de entrada baixas e aberturas de saída altas. Percebo que nossos projetos pecam bastante neste aspecto”, diz

Para isolamento acústico, a consultora aconselha pisos flutuantes que reduzem o ruído de impacto entre unidades separadas pelo piso. Com caixilhos e portas acústicas, e um sistemas de molas que amortece a transmissão de vibrações entre estruturas e vedações, é possível que os ambientes sejam mais privativos e silenciosos.

Andressa Gama afirma que é necessário cuidado com a estrutura da edificação, uma vez que o oco dos blocos favorece a passagem de barulho, assim como de calor. “Trabalhei muito tempo com dry wall. Dependendo do tipo de enchimento entre a placa de acartonado e a estrutura metálica (lã de rocha, lã de vidro e lã de PET), é uma boa solução se estiver bem vedado”, afirma. Os têxteis são também úteis para reduzir os ruídos, segundo Thais Ruiz. Numa superfície refratária, o som bate e retorna, o que não ocorre em superfícies porosas. Assim, carpetes, cortinas, tapeçaria e mobiliário ajudam a oferecer conforto acústico. “Quando a casa está vestida, não tem retorno das ondas sonoras”, diz.

 

Cases

Em Curitiba, a arquiteta Luciana Gibaille projetou um escritório de advocacia, construído em 2012, e atualizado no último ano com novas obras de arte. Todos os espaços foram pensados com conforto ambiental, uma vez que a profissional trabalha com neuroarquitetura e baseia-se em aspectos sensoriais. “O projeto tem 10 anos e atende perfeitamente às necessidades até hoje, porque o foco está na pessoa”, diz Gibaille.

Para que se tenha transparência, muitos panos de vidro foram empregados, valorizando iluminação solar e as vistas para os jardins. A distribuição do mobiliário também favorece a iluminação. “Praticamente não ligam a luz interna”, afirma Gibaille. O projeto apostou também em ventilação natural, com grandes janelas, para evitar riscos de contaminação, alergia e ácaros.

As salas de reunião contam com paredes de drywall com isolamento acústico, mas não se preocupou utilizar pisos antirruído, pois consideraram dispensável para o escritório. Por outro lado, o contato com a natureza foi uma grande aposta. “Todas as salas têm comunicação com lado externo, com vista para algo verde, porque traz descanso visual”, pontua a arquiteta.

Em obras populares o conforto ambiental também tem sido aplicado, como evidencia a construtora Lyx Engenharia nas construções para o programa Minha Casa Minha Vida. “A partir da Norma de Desempenho 15575 houve uma mudança muito grande parâmetro, melhorou muito”, diz Guilherme Kobaski, coordenador de produto da empresa. A Lyx tem critérios estabelecidos para cada zona climática, e realiza ensaios por meio de softwares. A empresa busca, por exemplo, oferecer temperaturas de -3° no verão ou +3° no inverno, com espessuras de laje de 12cm para evitar ruídos entre as unidades.

 

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Minha Casa Minha Vida – Lyx Engenharia

 

Esquadrias maiores e mais espessas ajudam no controle de luz e de climatização. “Quando a unidade está muita próxima de outra torre e não tem luz suficiente, aumentamos a esquadria, afastamos a torre ou usamos paredes brancas”, explica. Os ensaios incluem os tipos de materiais empregados e as cores das fachadas e do telhado, variando de obra para obra, analisando custo-benefício. “O que a gente tende a fazer é trabalhar em cima do pior caso para que em qualquer lugar a gente consiga atender aos critérios da norma”, pontua.

 

Construção modular

A arquiteta Thais Ruiz tem utilizado diferentes recursos para ampliar o conforto ambiental em uma casa contêiner que está em construção. No projeto foram utilizadas telhas termoacústicas, com manta térmica no forro entre a chapa do contêiner e o forro de gesso. “Mas o ponto de partida foi a implantação inteligente dos módulos, pensando na insolação e ventilação”, explica.

A indústria tem oferecido variados recursos para que obras modulares ofereçam tanto melhores condições de vivência quanto variadas opções estéticas. É o caso da Thermo-Iso, que produz placas e telhas isotérmicas. Segundo Carolina Luca, supervisora de vendas de coberturas da empresa, os painéis são como sanduíches, com duas placas de aço galvalume e um manto isolante no meio, que pode ser feito de isopor (EPS), poliuretano (PUR) ou poliisocianurato (PIR), com diferentes espessuras e densidades.

Segundo a profissional, as placas ajudam a conservar as temperaturas, evitando a troca de calor com materiais tradicionais que tornam necessário o consumo elevado de ar-condicionado. Isso gera economia de cerca de 50% da energia. “A espessura da chapa interfere no local que vai ser aplicado, então é tudo sob medida. Nada é indicado sem estudo prévio”, afirma. Com a durabilidade de cerca de 30 anos das placas de aço, a solução tem ganhado mais adeptos. “Hoje a demanda cresce nesse conceito casa contêiner, essas construções estão tendo maios visibilidade no mercado”, diz Gláucia Correia, supervisora técnica de vendas do setor de refrigeração da Thermo-Iso.

 

BlocoPUR PIR min
Para aplicações industriais, refrigeração, comércio ou de construção civil, a Thermo-Iso possui blocos de Poliuretano (PUR) e Poliisocianurato (PIR) em diversas densidades e dimensões.

 

Automação

As arquitetas Fabiana Villegas e Gabriela Vilarrubia, à frente do escritório Vila Ville Arquitetura, defendem que a automação é um grande facilitador na promoção do conforto ambiental. “Nem todo cliente tem consciência do quanto facilita a dinâmica da vida da pessoa. Muitas vezes ele precisa, mas não sabe que é possível”, diz Gabriela.  De acordo com as profissionais, a automação da iluminação seria o principal a ser feito, pois é evita desperdícios e permitem regular a intensidade da luz de acordo com seus usos.

Outras soluções possíveis incluem automação de brises e persianas, para controle de insolação, regulagem inteligente do ar-condicionado, e isolamento do som nos ambientes. “Muitos acham que é luxo, mas é praticidade e conforto. É um investimento, a princípio, alto, mas que se paga pois gera economia”, concorda Fabiana.

 

Adesão

Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que a busca por conforto ambiental tem aumentado, mas não há conscientização geral dos clientes sobre esse assunto. “Em geral, o custo-benefício não é objetivamente avaliado e tanto projetistas como proprietários/ocupantes acabam embasando suas decisões em premissas de que são sistemas extremamente caros”, opina Melissa Cacciatori. Segundo a consultora do CTE, é preciso intensificar pesquisas, avaliações de custo-benefício e comunicação para que o mercado difunda essas práticas e tecnologias.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Victor Hugo Felix
Imagens: Nelson Kon e Divulgação

 

 

 

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