Hortas urbanas ganham cada vez mais espaço e impactam diretamente a cidade, ressignificando seus espaços em prol da transformação alimentar.
Hortas urbanas nada mais são do que o plantio de plantas, frutas e hortaliças em espaços públicos localizados em zonas periféricas ou em grandes centros urbanos. Chamadas de comunitárias, quando plantadas em espaços coletivos, ou domésticas, quando cultivadas dentro de casas e apartamentos, as hortas providenciam inúmeros benefícios, fortalecendo a biodiversidade. Dentre os principais estão fornecer alimento e abrigo para a fauna local, regenerar o solo e restaurar sua capacidade de absorção de água, abastecer os lençóis freáticos e melhorar a umidade do ar, contribuir para o aumento de áreas verdes aberta aos cidadãos, promover educação ambiental e comunitária, restabelecer o sentido da partilha do espaço, do trabalho, da colheita e do cuidado com o território, reconectar o homem com a natureza e a produção de alimentos, e desenvolver a real prática de compostagem, gestão de resíduos e, consequentemente, redução de lixo orgânico e emissão de gases na atmosfera.
Segundo dados do instituto de pesquisas ambientais Worldwatch Institute (WWI), algo entre 15% e 20% dos alimentos consumidos no mundo são produzidos em hortas urbanas. A agricultura urbana tem, inclusive, sido apontada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), como estratégia fundamental para a segurança alimentar, para a estabilidade social e para a preservação do meio ambiente nos grandes centros urbanos do planeta. De acordo com a plataforma Sampa Rural, a cidade de São Paulo tem mais de 1.000 hortas urbanas e esse número não para de crescer, tendo sua expansão relacionada diretamente no combate à fome que, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo.
Cultivar uma horta então é, sem dúvida, uma forma de contribuição para o desenvolvimento sustentável em vários níveis, desde promover serviços ambientais e maior conscientização sobre a importância de consumir alimentos frescos e livres de agrotóxicos, até suprir necessidades e demandas sociais, incentivando uma participação pública colaborativa. Diante disso, o engenheiro agrônomo Antônio Elisandro fala sobre uma Lei estadual que existe em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, “A própria Emater-RS, com o advento da Lei estadual de 2017, dispõe fornecer assistência no processo de acompanhamento, orientação e a técnica no processo de cultivo das hortas urbanas”, explica.
O Projeto Hortas Urbanas SSA em Salvador, Bahia, conta à CM que no seu estado não existem Leis sobre essa prática na Câmara de Vereadores ou dos Deputados, mas reforça a importância do cultivo urbano e seus impactos à sociedade. “Uma contribuição que fornece mudanças no comportamento nutricional da população e na integração com universidades, grupos sociais e escolas infantis, ajudando de forma efetiva na formação educacional dos envolvidos e na conscientização humana para uma sociedade mais justa e equilibrada”, comentam.
Já em Curitiba, há uma Proposta de Lei em discussão na Câmara Municipal, que sugere a criação de um incentivo às hortas e jardins urbanos, nos quais a própria comunidade é responsável pelo plantio e manutenção. O projeto prevê a remissão de multas aplicadas pelo Poder Executivo pela má conservação, abandono e falta de manutenção dos terrenos baldios, contanto que o proprietário concorde em destinar o espaço à implantação de uma horta ou um jardim urbano.
Aliás, a transformação do espaço, mudando práticas individuais para coletivas, carrega consigo um comportamento mais holístico e integrado. Para a bióloga Luisa Haddad, que trabalha com o projeto Pé de Feijão, que objetiva ressignificar a relação das pessoas com a comida através de ações que informem e orientem, tendo as hortas urbanas, a cozinha e a compostagem como plataformas centrais de trabalho, o principal benefício oferecido pelas hortas urbanas está conectado com a educação e conscientização. “Uma horta é lugar de aprendizado para adultos e crianças sobre agricultura, nutrição, sustentabilidade e meio ambiente. Ali é onde se conectam de uma forma afetiva com a comida, tornando capaz de mudar radicalmente a aceitação que uma pessoa tem de consumir mais frutas, legumes e verduras, porque ela se envolveu no processo”, comenta.
De acordo com Antônio Elisandro, parceiro do Espaço Ecópolis, que atua voluntariamente desde 2011 na Horta Comunitária Lomba do Pinheiro e desde 2021 faz parte da equipe de organização e coordenação da fase inicial do Fórum de Agricultura Urbana de Porto Alegre (FAUPOA), diz que “Os primeiros elementos fundamentais para se iniciar uma horta urbana coletiva, é ter pessoas dispostas chamadas de âncoras que vão disponibilizar os processos coletivos, de preferência que já tenham alguma familiaridade, seja na sua residência ou na sua história de vida rural com o processo de plantio e cultivo. Toda a presença vegetal altera o clima do seu entorno. Mesmo em espaços pequenos, chamados de microclima”, analisa.
O paisagista Benedito Abbud nos conta que a demanda de hortas nos seus projetos arquitetônicos têm sido solicitada com frequência. De acordo com ele, os condomínios organizam essas hortas e as pessoas fazem uso principalmente quando as cultivam em ambientes gourmets com churrasqueiras, casas de campo, varandas e gazebos. “Em empreendimentos, como prédios e loteamentos, temos solicitado que se façam hortas orgânicas que são maiores e organizadas por agrônomos. Assim, acaba sendo como um elemento de encantamento para o empreendimento”, relata.
Segundo Isaque Bressan, técnico em agronomia com 41 anos de experiência na área e gestor na empresa Líder Agro: Hortas Urbanas, o primeiro passo para se iniciar um projeto de horta urbana é saber aproveitar os espaços disponíveis e ter as ferramentas básicas para ajudar no plantio e manutenção, como disponibilidade de água para regas diárias, saber o que plantar e cultivar, e fazer uso de insumos corretos para a manutenção, como fertilizantes e protetores para controle de insetos, fungos e bactérias. Patricia Galbo, que é engenheira agrônoma e está há 7 anos empreendendo a agricultura urbana, também discorre sobre o assunto: “Deve-se levar em consideração a incidência de luz solar e estilo de vida da pessoa. É preciso fornecer nutrientes e água da forma adequada, observar o desenvolvimento da planta faz toda a diferença quando se fala de cuidados e manutenção”.
E de fato, a forma de plantar e cuidar depende de uma ação coletiva e de vários fatores como temperatura, chuva, quantidade de luz, estação do ano, lua e cultiva escolhida. “A profundidade do solo é que determina a formação das raízes. O ajuste de ph, é necessário para que os nutrientes presentes no solo sejam disponibilizados de forma inteligente para as plantas”, explica Isaque Bressan. É preciso atentar que existe uma maneira correta de intercalar as espécies entre hortaliças e legumes pois existem plantas que são companheiras e outras que são antagônicas. A bióloga Luisa, comenta que “Para as hortas urbanas são indicadas espécies de ciclo curto, por geralmente se tratar de espaços pequenos”. E, de acordo com ela, a forma indicada para nutrir uma horta é ter uma composteira, levando resíduos orgânicos, restos de cascas de frutas e restos de comida. “O composto vindo da compostagem é o melhor adubo existente”, afirma.
Salvo às questões ambientais e de alimentação, a presença de hortas urbanas traz ainda benefícios mentais e emocionais, contribuindo para a diminuição da ansiedade e depressão. Nos Estados Unidos existem projetos que recomendam frequentar hortas por 4 meses, duas vezes por semana, para casos de depressão leve, técnica chamada de horta terapia. Patricia Galbo comenta que “Consumir alimentos frescos e sem agrotóxicos com certeza é ter mais qualidade de vida. Manter as áreas urbanas das cidades mais esverdeadas de forma produtiva traz uma melhora tanto mental quanto física”.
Está constatado que o sentimento de colaboração para com a natureza e para com o outro é plena, e não só bem alimenta ao corpo, mas à alma. Muitos dos problemas relacionados à qualidade de vida nas cidades concerne à forma de como elas se desenvolveram. O ambiente urbano se caracteriza pelo concreto, pela velocidade, pelo oposto à natureza, características acentuadas graças ao crescimento intenso e desordenado, sem planejamento adequado. A prática da agricultura urbana sugere superar o distanciamento entre espaços públicos e privados, vegetação e concreto, individual e coletivo, promovendo o respeito às regras locais e aos outros usuários. “Acabam também sendo como um refúgio da fauna. Quando possuímos uma horta urbana temos um micro ecossistema, com abelhas, joaninha, minhocas, entre tantos outros. Estes espaços se tornam um respiro e fornecem a conservação da biodiversidade urbana”, conclui Luisa Haddad.
Por Daiane Rancan – Redação Casa e Mercado
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