Elementos de estudo, controle e planejamento se tornam cada vez mais cruciais à conquista de um desempenho acústico otimizado
Segundo a OMS, a poluição sonora é o segundo maior agente poluidor ambiental no mundo e um grande problema da saúde pública ao influenciar os níveis de stress e cansaço mental da população. O som, um fenômeno ondulatório capaz de propagar-se através dos diferentes estados físicos da matéria (sólido, líquido e gasoso), pode ser caracterizado a partir de sua intensidade, altura ou timbre e possui frequência suficiente para ser percebido pelo ser humano.
Além de toda a compreensão sonora das ondas, a Acústica é o estudo que se dedica a explicar os fenômenos que estão relacionados à propagação dessas ondas, como reflexão, refração, difração, absorção e efeito Doppler, utilizando fórmulas e conceitos que possibilitam melhor investigação do fenômeno ondulatório a partir da avaliação de objetos que causam e propagam os diferentes sons.
A poluição sonora e outros temas importantes da acústica já fazem parte de grande debate no Brasil. A exigência cada vez maior da sociedade por desempenho acústico nas edificações requisita soluções específicas, que sejam planejadas ainda na fase de elaboração dos projetos arquitetônicos. Em pesquisa recente realizada pela DataZAP+, braço de inteligência imobiliária do grupo OLX Brasil, o isolamento acústico nos imóveis é apontado como prioridade em pesquisa sobre o consumidor e tendências de moradias no país.
Atenta a estas questões, a ProAcústica – Associação Brasileira para a Qualidade Acústica – pretende ampliar o número de atividades de intervenção urbana, com iniciativas que mesclem o debate sobre as questões técnicas da acústica com movimentos político-sociais. Um projeto no radar da associação, por exemplo, é a criação de uma certificação que indique a classificação do desempenho acústico de uma edificação, algo similar à Etiqueta Nacional de Conservação de Energia, do InMetro.
Para melhor elucidar algumas questões, a CM conversou com Marcos Holtz, presidente executivo da ProAcústica e coordenador da CE 196 000 003 | Acústica Arquitetônica, da ABNT. Relator da revisão da parte acústica da norma de desempenho NBR 15575 (2018/2021), é sócio-diretor da Harmonia, empresa que oferece serviços tais como projetos acústicos, consultoria acústica, estudo de desempenho acústico, medições sonoras, ensaios acústicos, consultoria e estudo de desempenho térmico e lumínico.
Casa e Mercado: No que diz respeito a projetos de arquitetura para edificações, quais as implicações, sob o ponto de vista de desempenho acústico, das normas ABNT disponíveis para o setor?
Marcos Holtz: A área residencial é a que tem mais referências em normas técnicas relacionadas à Acústica. A ABNT NBR 15575, revisada em 2022, é aplicada para avaliação acústica de edificações residenciais e apresenta critérios acústicos obrigatórios de isolamento de fachadas, de ambientes internos e para ruído de impacto. Tem grande importância no mercado imobiliário, inclusive na habitação social. Para as demais áreas, como edifícios comerciais, escritórios ou hospitais, temos a ABNT NBR 10152, que apresenta níveis sonoros de referência, recomendados para diversos tipos de utilização. Em termos de incomodidade da vizinhança, existe uma norma técnica para avaliação dos níveis sonoros para a comunidade, com o emitido por equipamentos ou casas noturnas, a ABNT NBR 10151.
CM: Quanto à indústria fornecedora de materiais, os produtos que apresentam especificidades acústicas podem ser caracterizados para que seus desempenhos possam, de alguma forma, ser calculados? Quais os processos necessários para isso?
MH: Existem normas internacionais específicas para caracterização acústica dos materiais, que devem ser feitas em laboratório, com condições ambientais controladas. Para caracterização do isolamento acústico de materiais, temos a família de normas ISO 10140 para obtenção do descritor “Rw”. Para caracterização da absorção sonora de materiais, as normas seriam a ISO 354 e ISO 11654, que permitem obter um descritor “alpha w”. Estes ensaios são fundamentais para permitir que o projetista consiga prever a eficiência acústica dos projetos.
CM: Sendo a edificação um valor sistêmico, nos parece que o sistema de vedações composto por vidros, caixilhos e esquadrias, para promoção de conforto acústico, tem sua normatização desenvolvida. Também os revestimentos?
MH: Ambos os casos, tanto para isolamento acústico (fachadas, paredes, portas) quanto para revestimentos fonoabsorventes (forros acústicos e painéis acústicos de parede) tem sua normatização desenvolvida. Apesar do trabalho feito, ainda há muito a ser feito e desenvolvido, e o Brasil participa na ISO como membro com direito a voto no TC 43 SC2, onde essas normas são criadas, revisadas e discutidas.
CM: Nos parece que uma fragilidade da construção civil é a mão de obra qualificada para execução. No Brasil, as construções de edificações residenciais são por muitas vezes administradas pelos próprios escritórios de arquitetura. Como os escritórios de arquitetos podem garantir a qualidade de execução de um projeto acústico?
MH: É muito importante a atenção aos detalhes. Pequenas frestas podem causar um grande estrago no isolamento acústico. O ideal é contar com a assessoria de um consultor de acústica. Em casos em que isso não é possível, é recomendável que o arquiteto entenda um pouco dos fenômenos acústicos para evitar problemas. Recomendamos a leitura dos manuais da ProAcústica, que são uma excelente fonte de informação na área de acústica, prática e acessível, começando pelo Manual de Acústica Básica.
CM: Em uma edificação residencial ou comercial, quais são os pontos críticos os quais os arquitetos e designers de interiores devem observar em um projeto acústico?
MH: Basicamente três pontos devem sempre ser observados: Isolamento acústico, condicionamento acústico e controle de ruídos. No caso do isolamento acústico, portas, paredes e fachadas devem ser estudados em conjunto para obtenção de um isolamento equilibrado e adequado ao uso proposto. O condicionamento acústico é calculado a partir dos revestimentos internos, para garantir a qualidade do ambiente sonoro nos espaços, como salas de conferências, teatros e auditórios, e evitar espaços de aglomeração muito ruidosos, como restaurantes ou salas de embarque. O controle de ruído deve avaliar todos os sistemas mecânicos que podem causar ruído, como fancoils ou geradores, e soluções acústicas devem ser projetadas para mitigar os excessos de ruído.
CM: Em grandes centros urbanos, a produção de ruídos é expressiva, em face de atividades humanas. Carros, buzinas, aeroportos, construções etc. Existem mapas de ruídos, por assim dizer, por bairros ou zonas municipais, disponibilizados pelas prefeituras, para que o projetista possa ajustar seu projeto a desempenhos acústicos?
MH: Em países onde o gerenciamento de ruído já foi implementado, como os países europeus, existem diversos elementos de controle e planejamento, como mapas de ruído e sistemas de monitoramento sonoro. Em alguns mapas disponibilizados na internet é possível digitar o endereço e entender como estão distribuídos os níveis sonoros em qualquer lugar da cidade.
No Brasil temos ainda algumas iniciativas, dentre elas Fortaleza, Brasília e São Paulo. No caso de São Paulo a previsão do mapa está na Lei nº 16.499, de 20 de julho de 2016. A ProAcústica já disponibilizou mapas de ruído parciais da cidade através de ações urbanas nos últimos anos, que podem ser conferidos no site mapaderuidosp.org.br.
Imagem: Divulgação Mapa de ruído SP