Áreas verdes urbanas favorecem a sensação de pertencimento, despertam o desejo de cuidar do ambiente ao redor e ampliam o bem-estar físico e emocional.
No mundo moderno, onde o concreto e a urbanização avançam em ritmo acelerado, o paisagismo desponta como uma prática fundamental para a qualidade de vida e o bem-estar da sociedade. Em um cenário de crescente manipulação ambiental, ele se destaca como uma ferramenta poderosa para promover a sustentabilidade e o controle ambiental nas cidades, desempenhando funções essenciais para o equilíbrio climático, a gestão de recursos hídricos e a conservação da biodiversidade.
Fato é que a busca por ambientes agradáveis e relaxantes aumentou pós pandemia, impulsionando a procura por serviços paisagísticos, que além de proporcionar espaços de contemplação e percursos, carrega consigo o poder de organizar a paisagem, propondo composições a um espaço livre, público ou privado, urbano ou não-urbano, externo ou interno, em qualquer escala, através de elementos estéticos e funcionais. Trata-se de uma ciência complexa que integra natureza às construções humanas, sendo ferramenta indispensável no planejamento de espaços mais saudáveis, sustentáveis e humanizados.
Um dos grandes desafios enfrentados pelas cidades modernas, por exemplo, é a especificidade das ilhas de calor urbano. Áreas densamente pavimentadas e construídas acumulam calor, resultando em temperaturas significativamente mais altas do que nas zonas periféricas. Este aumento de calor não afeta apenas o conforto dos moradores, mas também contribui para o aumento do consumo de energia e, consequentemente, das emissões de gases de efeito estufa. A introdução de áreas verdes, como parques, jardins e telhados verdes, ajuda a mitigar esse efeito, criando áreas de sombreamento e absorvendo o calor por meio da evapotranspiração das plantas.
Ainda, o manejo das águas pluviais tornou-se um dos maiores desafios ambientais e sociais nas cidades. A urbanização massiva cria vastas superfícies impermeáveis, como calçadas, ruas e edificações, que bloqueiam a absorção natural da água pelo solo. Quando a chuva não consegue se infiltrar, ela se acumula e sobrecarrega os sistemas de escoamento, resultando em enchentes e alagamentos, especialmente em áreas de baixa drenagem, problemas recorrentes que afetam a infraestrutura dos centros urbanos e a qualidade de vida dos habitantes. Nesse contexto, o paisagismo surge como uma solução eficaz para gerenciar as águas pluviais de maneira sustentável e integrada, auxiliando tanto no controle da água quanto na promoção de um ambiente urbano mais equilibrado, por meio da implementação de áreas verdes permeáveis, jardins de chuva, valetas vegetadas e pavimentos permeáveis, que permitem que a água seja absorvida pelo solo e direcionada de forma natural.
O paisagismo pode também proporcionar protagonismo à fauna e à flora nativas e valorizar a paisagem original das regiões, aproximando o vínculo entre espaços construídos e a natureza local. “Um projeto de paisagismo sustentável utiliza-se de práticas e elementos que diminuam os gastos de energia em todos os sentidos, considerando os seguintes fatores: Macroambiente, que faz uma análise do clima da região em termos de temperatura, pluviosidade e umidade; Microambiente, que faz uma análise do espaço de intervenção, tais como Topografia, para fazer um projeto que minimize movimentação de terras e crie microbacias de drenagem com canteiros de chuva; Insolação e ventos, para criar barreiras de plantas; Iluminação; Qualidade do solo; Tratamento adequado de áreas de preservação permanente; Captação de água de chuva e armazenamento em cisternas e a utilização de técnicas de compostagem”, explica o professor Sidnei Harada, sócio fundador do IBRAP, Instituto Brasileiro de Paisagismo.
Neste sentido, o estudo da paisagem natural brasileira foi um elemento fundamental nos projetos do renomado artista plástico e paisagista Roberto Burle Marx, um dos primeiros a usar plantas nativas em projetos paisagísticos nos anos 30, valorizando a diversidade e riqueza da flora brasileira. Precursor na defesa da preservação do meio ambiente, realizava excursões e expedições botânicas para estudos de plantas em seu habitat, fazendo coletas e catalogação. Descobriu várias novas espécies e pelo menos 30 plantas descobertas por ele tem seu nome. Já nos anos 60, promovia a conservação das florestas tropicais brasileiras contra o desmatamento. Figura cultural e plural, mesclou os conceitos de arquitetura, ecologia, botânica, paisagismo, sustentabilidade, design, ciência e arte em altíssimo grau de relevância e influência. Diversidade é uma das mensagens mais óbvias evidenciadas através de seus trabalhos.
Em se tratando de bem-estar, estudos mostram que o contato com a natureza tem efeitos poderosos na redução do estresse, ansiedade e depressão. A presença de áreas verdes acessíveis nas cidades estimula naturalmente a prática de atividades físicas ao ar livre, como caminhadas, corridas, ciclismo e ioga, além de impactar o humor e de fato auxiliar na recuperação de doenças, criando um ciclo positivo entre o espaço e a saúde, desempenhando funções terapêuticas. Os elementos naturais — como árvores, flores, água, pedras e a fauna que esses ambientes atraem — estimulam o contato com o presente e a reflexão, promovendo uma espécie de “terapia natural” que ajuda a reduzir a ansiedade e o pensamento acelerado. Esta relação com a natureza favorece a sensação de pertencimento e desperta o desejo de cuidar do ambiente ao redor, ampliando o bem-estar emocional e gerando um impacto positivo no equilíbrio mental.
Espaços paisagísticos agem também a favor da interação social que, por sua vez, tem impacto direto na saúde mental pois proporciona um sentimento de apoio e conexão, desempenhando um papel fundamental na criação de espaços de convivência que favorecem o fortalecimento das relações comunitárias. Praças, parques e jardins públicos funcionam como pontos de encontro, onde pessoas de diferentes origens, idades e interesses se reúnem, socializam e constroem laços. Esses espaços são, portanto, agentes importantes para promover um senso de pertencimento e criar uma atmosfera de acolhimento, na qual as pessoas se sintam parte de uma comunidade ativa e colaborativa.
Um exemplo poderoso de como aplicar o paisagismo aos centros urbanos e transformar o ambiente em que vivemos, promovendo um equilíbrio entre o concreto e o verde, é o conhecido termo “Urban Jungle”, na busca por inserir mais da natureza para dentro das cidades. O conceito é trazer a diversidade e as características próprias do bioma que está inserido. O paisagista Benedito Abbud apresenta como exemplo o Cidade Matarazzo: “Foi feita uma revegetação no solo, nas lajes, no térreo e na torre mata atlântica, um lugar alto, que venta muito. Foram plantadas árvores de até 15 metros proporcionando uma melhor qualidade do ar e gerando atração para a fauna”, explica. O professor Sidnei Harada menciona que essa tendência está presente no mundo todo, na criação de projetos de paisagismo com design biofílico, em que o usuário tem a experiência de estar em um espaço o mais semelhante possível com um ambiente natural.
Em menor escala, para quem busca uma conexão com a natureza mesmo nas grandes cidades, poderá encontrar refúgio por meio de projetos paisagísticos bem pensados nas áreas externas. Nos projetos arquitetônicos, é importante mesclar as áreas verdes com os espaços para descanso ou diversão, como piscinas, quadras, trilhas para caminhada ou pequenos lounges. “Na hora de compor um jardim, é importante priorizar espécies que floresçam em diferentes épocas, a fim de proporcionar uma experiência incrível ao longo do ano. Devemos pensar em como as espécies podem gerar pequenas surpresas e contar uma história sobre a mudança das estações”, comentam Claudio Pedalino e Gabriela Setta, sócios no escritório de arquitetura paisagística Landscape Jardins.
No quesito sustentabilidade, desenvolver um paisagismo mais consciente significa projetar espaços que não exijam grandes intervenções artificiais, mas que funcionem de forma harmoniosa com o ecossistema, minimizando a pressão sobre os recursos naturais. Isso inclui o planejamento cuidadoso para a escolha de plantas que consomem menos água, o uso de espécies nativas e adaptadas ao clima local e a adoção de sistemas de supervisão eficientes. Além disso, soluções como a coleta de água da chuva e o uso de materiais reciclados ajudam a preservar os recursos hídricos e a reduzir o desperdício. O paisagismo sustentável vai além da escolha de plantas ornamentais e considera o impacto da vegetação na fauna local. Espaços verdes assim tornam-se então verdadeiros refúgios de biodiversidade, onde a flora e a fauna podem coexistir, fortalecendo o ecossistema, e nos quais os habitantes possam desfrutar de um ambiente restaurador, de nutrição física e emocional. E mais: cada praça, parque e jardim, o paisagismo nos lembra da nossa conexão com a terra e da nossa responsabilidade em preservá-la para as próximas gerações.
Por Redação.