Especialistas debatem a forma correta de lidar com folhas e galhos de árvores que caem ao longo do ano
Em determinadas épocas, o chão das praças e das vias públicas encontra-se forrado de folhas, galhos, troncos e flores que caem das árvores e dos arbustos. O outono é a estação marcada justamente por esse fenômeno. E esses materiais, também chamados resíduos verdes, são varridos pela gestão pública para que não se acumulem. Mas qual seria o fim ideal para resíduos que são descartados pela própria natureza?
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, parte dos resíduos verdes recolhidos em espaços públicos são destinados para projetos de compostagem, que transformam o material orgânico em adubo. Nesses casos, o resíduo verde proveniente da queda natural das árvores é unido aos resíduos gerados pelas podas, capinas e despraguejamentos na cidade. Desse material, 30% é levado para o projeto Feiras e Jardins Sustentáveis, que busca oferecer tratamento para resíduos orgânicos de cerca de 180 feiras livres do município.
A cidade conta, segundo a Prefeitura, com cinco pátios de compostagem, localizados nas subprefeituras da Sé, Lapa, Mooca, São Mateus e Ermelino Matarazzo. Entre janeiro e dezembro de 2020, esses pátios receberam 10,5 mil toneladas de resíduos, e com eles foram produzidas 2,1 mil toneladas de composto orgânico. Esse composto, por sua vez, é utilizado como insumos em jardins e praças públicas. O objetivo com essa medida é evitar que mais resíduos verdes sejam despejados em aterros sanitários.
Outra parte dos resíduos verdes recolhidos – dessa vez, sem especificação exata das quantidades pela prefeitura – é destinada para ações de paisagismo na cidade. O material é triturado e utilizado para evitar a erosão do solo, aumentar o teor de matéria orgânica e facilitar a fixação de adubos minerais. Até o fechamento da reportagem, a Prefeitura não informou quanto dos resíduos verdes são levados para aterros sanitários.
Aterros x compostagem
Lígia Pinheiro, professora de planejamento urbano e regional na FMU e doutora em geografia, afirma que o uso dos aterros é de praxe no município. A urbanista menciona como exemplo a subprefeitura da Vila Mariana, que possui maquinário para triturar os resíduos verdes e orgânicos, mas que comumente descarta os materiais em aterros, uma vez que ainda não há uma composteira no local.
Em Vila Mariana também é feito o reaproveitamento dos resíduos em projetos de jardinagem, como explicado por Lígia Pinheiro. “O resíduo triturado pode servir para fazer uma manta e aumentar os nutrientes no solo. Em algumas condições, quando precisam de produção de serrapilheira, eles têm o triturador, então a matéria orgânica volta para as áreas verdes”, diz. Entretanto, de acordo com a professora, quando não há demanda o material segue para os aterros sanitários. O problema é que os aterros são espaços com vida útil específicas e a utilização excessiva afeta essa vida útil, tornando necessária a criação de novos aterros.
“O ideal seria se esses materiais fossem aproveitados de maneira que entrassem num ciclo, em vez de serem descartados” – Lígia Pinheiro, professora de planejamento urbano e regional na FMU.
Iniciativa privada
A recomendação para o reaproveitamento dos resíduos verdes tem se fortalecido e instituições privadas vêm apostando nessa alternativa. Exemplo é a Trashin, startup focada em gestão de resíduos, que trabalha em três frentes: compostagem; biodigestão, que produz biogás e biofertilizantes; e produção de biomassa, que gera uma fonte energética renovável.
A compostagem é a mais empregada pela empresa junto aos clientes, segundo Sérgio Finger, fundador e CEO da Trashin. “Completamos os resíduos verdes com um composto para que o próprio cliente faça uso ou para ser utilizado em outras cadeiras, como agricultura, jardinagem e outros setores”, explica.
De acordo com o empresário, a startup já atuou em escolas, shoppings e parques, nos quais foram recolhidas 200 toneladas de resíduos verdes. “A maior parte desses resíduos é utilizada para biodigestão dentro do próprio gerador, reduzindo custo logístico para levar para outro local e acelerando a transformação do composto”, explica.
Sérgio Finger analisa que um dos maiores desafios para a realização das transformações dos resíduos é justamente a necessidade de espaço apropriado para instalação dos equipamentos de compostagem e biodigestão, além da logística para levar os resíduos até esses locais.
“Geralmente o custo para a destinação em aterros ou descarte inadequado acaba sendo economicamente mais viável para os geradores. Isso causa um impacto negativo na gestão correta destes resíduos” – Sérgio Finger, fundador e CEO da Trashin.
Outra questão é o custo do tratamento, que não é economicamente favorável quando comparado à destinação para aterros. “O tratamento pode levar um tempo às vezes demorado para tratar esse tipo de resíduo em grande escala. O resultado é uma inviabilidade da operação se comparado a essas soluções de maior impacto negativo ambiental”, explica.
Há ainda outros desafios para a transformação dos resíduos verdes, como apontado por Danilo Urias, diretor comercial do grupo Multilixo, empresa especializada em gestão de resíduos. De acordo com o especialista, os desafios variam de acordo com o tipo de tratamento, mas tanto para a compostagem quanto para a transformação em biomassa o desafio está associado à segregação dos materiais.
“Para que possamos recebê-los, o gerador do resíduo deve fazer a sua separação a fim de que não haja mistura/contaminação com outros resíduos” – Danilo Urias, diretor comercial do grupo Multilixo.
Segundo Vinícius Pardini, gerente comercial do grupo Multilixo, a empresa destina folhas e galhos finos para compostagem, unindo-os a outras matérias orgânicas de origem vegetal e animal. Já galhos maiores, troncos de árvores e madeira em geral são destinadas para produzir biomassa. “Já efetuamos serviços de coleta, transporte e reciclagem de resíduos verdes recolhidos em parques municipais em São Paulo e Grande São Paulo em um volume aproximado de 100 toneladas”, explica.
O grupo Multilixo atualmente tem contrato de varrição com seis consórcios que atuam na gestão de resíduos na cidade de São Paulo. A unidade de Reciclagem Energética já tem parceria com algumas das empresas que integram esses consórcios para recebimento de resíduos verdes. “Acredito que é uma questão de tempo para que as demais empresas dos consórcios também façam uso dessa modalidade de tratamento”, afirma Vinícius Pardini.
Alternativas
O reaproveitamento dos resíduos verdes pode ocorrer de forma mais simples que o realizado em processos de compostagem e biodigestão: simplesmente não removendo folhas e galhos que caem no solo. É o que defende o doutor em arquitetura e urbanismo Paulo Pellegrino, professor associado da FAU-USP.
“O ideal seria não haver resíduos verdes a serem descartados, mas serem aproveitados in situ, como no preparo de mulching” – Paulo Pellegrino, professor associado da FAU-USP.
Mulching, ou cama morta, é o reaproveitamento das cascas, galhos, folhas e flores, que caem das árvores como cobertura do solo, nos locais onde não nasce grama ou tem sombra. Segundo o urbanista, a cobertura do solo por esse material orgânico é benéfica pois remete à serrapilheira natural que se forma no solo das matas. Ou seja, é uma forma da própria natureza reaproveitar seus nutrientes. Assim, o solo e as árvores mantêm-se saudáveis, sem necessidade de transportar os resíduos para tratamento, nem de maquinário específico. “Economia de energia com benefícios sociais e ecológicos”, diz o especialista.
De acordo com Paulo Pellegrino, a gestão pública da cidade de São Paulo tem falhado na gestão dos resíduos verdes. “Houve uma sensível piora nessa questão por conta do corte raso mais frequente da grama, além da poda drástica de arvores e da exposição do solo a processos erosivos”. Em razão disso, o outono é um período em que esse tema merece especial atenção. “Justamente nessa época seca o solo exposto com grama cortada rente não consegue reter umidade, provocando stress hídrico, que seria evitado pela cobertura com material orgânico”, explica.
A urbanista Lígia Pinheiro lembra que o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) estimula as cidades paulistas a realizarem a gestão dos resíduos de forma consorciada. Ou seja, enquanto município X recebe recursos para fazer a coleta, o município Y recebe para fazer o tratamento, por exemplo. “Resíduos estão nas demandas que devem estar em escala metropolitana”, esclarece. Dessa forma é possível agir de forma integrada para uma gestão mais eficiente.
Diante desses desafios, o que se entende é que os resíduos verdes têm grande potencial para serem reaproveitados em diferentes frentes, podendo ser utilizados em pequena ou larga escala, servindo para manutenção das áreas verdes e para produção agrícola. O que falta é saber se a gestão pública saberá como gerir e investir no tratamento sustentável desses materiais.
Urbanismo Ativo: Inclua composteiras caseiras em projetos residenciais
Qualquer pessoa pode se engajar no reaproveitamento de matéria orgânica adquirindo composteiras caseiras. Esses aparelhos podem ser utilizados em residências, transformando resíduos verdes em húmus. É necessário, contudo, alguns cuidados, como explica Thiago Santos, paisagista da J. Lira Green Life.
“Primeiramente, será necessário um espaço físico para a montagem da composteira. Recomendo utilizar as informações da Embrapa Agroecologia sobre o assunto”, diz. O paisagista afirma que há diversas formas de se montar uma composteira, mas que em geral utilizam-se caixas plásticas com encaixes entre elas, de modo que o resíduo sólido orgânico seja depositado nas caixas superiores, e o resíduo líquido vá se acumulando na última caixa. “Existem kits completos com todo o material necessário vendidos em lojas especializadas em jardinagem e agricultura”, informa Thiago Santos.
Nas composteiras é possível incluir alimentos cozidos ou crus, cascas, bagaços, sementes de frutas, restos de hortaliças, borra de café, e componentes provenientes da madeira, como papel. Contudo, deve-se evitar óleos, gorduras, alimentos salgados, resíduos animais e excesso de cascas de cítricas. “É possível fazer com as folhas das árvores que caem no jardim no outono, desde que observados os passos para montagem da composteira e suas variáveis do processo”, explica. É importante saber, por exemplo, que resíduos secos devem cobrir os resíduos úmidos. Esses cuidados farão a diferença na qualidade da decomposição.
As composteiras geram um composto sólido, conhecido como húmus, que serve como adubo orgânico e substrato de desenvolvimento. “O composto líquido é um excelente adubo de superfície e pode ser diluído e aplicado sobre as folhas, diretamente na terra, ou junto com a água de rega”, finaliza Thiago Santos.
Por Victor Hugo Felix
Imagens: Divulgação