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CAU RS – Carta à sociedade e aos gestores públicos

Carta aberta reconhece urgência e sugere estratégias para promover a transformação social e a regeneração do espaço urbano e ambiental no Rio Grande do Sul

 

Se na natureza tudo é sistêmico, cada elemento do espaço responde a uma série de pressões e de interações com os demais elementos deste espaço, que não somente busca se adaptar a eles, como também desempenha um papel importante para e, por vezes, sobre eles. O Impacto, portanto, é algo inquestionável: estamos afetando relações ecológicas complexas que buscam um equilíbrio dinâmico natural e sustentam a continuidade de seus processos.

Durante longo período, a estratégia da engenharia fluvial e hidráulica esteve focada em retificar o leito dos rios e córregos para que suas vazões fossem dirigidas pelo caminho mais curto e com a maior velocidade de escoamento possível, visando ganhar novas terras para a agricultura, novas áreas para a urbanização e minimizar os efeitos locais das cheias. E apesar de ser natural o ser humano estabelecer sua morada próximo a cursos d’água, construir cidades sob essa concepção gera consequências negligenciáveis, principalmente à nível de planejamento.

O fato é que em meio à urbanização, é preciso encontrar meios de conviver, seguir leis, fazer compensações e se atentar a impactos que possam ser provocados a curto, médio e longo prazos, e causam prejuízos cada vez maiores, por vezes irreversíveis. O que ocorreu nos 497 municípios afetados no Rio Grande do Sul exige um novo olhar sobre como as cidades são pensadas e planejadas. Atento às questões da moradia e do planejamento urbano e ambiental, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) elaborou a “Carta à sociedade e aos gestores públicos”, explicitando seu posicionamento e sugerindo contribuições para a reconstrução dos municípios gaúchos afetados pelas enchentes.

Leia abaixo na íntegra!

 

Carta à sociedade e aos gestores públicos

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul expressa sua solidariedade à toda a população gaúcha afetada pelas enchentes ocorridas. Estamos solidários e também mobilizados, em todo o Estado e em todo o país, para minimizar o sofrimento dos atingidos, com ações emergenciais humanitárias, com nossa estrutura colocada a serviço de abrigos e colegas voluntários.

Neste momento, o Rio Grande do Sul conta com a imensa maioria de seus 497 municípios afetados e cerca de dois milhões de cidadãos atingidos pelas enchentes, inundações e deslizamentos de terra, eventos extremos que reforçam as mudanças climáticas em curso. As consequências desse desastre foram agravadas pelo despreparo e descaso com os impactos ambientais pelo próprio poder público.

Esta tragédia revela problemas causados pela flexibilização extremada da legislação ambiental nacional e estadual, pela ocupação desordenada do território, sem intervenção dos governos municipais (ou até mesmo com sua aprovação) e pela negação e negligência para com a ciência e a técnica entre outros fatores.

Presenciamos sucessivos governos destruírem órgãos públicos capazes de pensar e executar o planejamento urbano e regional (vide METROPLAN), sucatear os serviços públicos com a diminuição e desvalorização dos quadros técnicos, impedindo assim que novos profissionais se incorporem à atividade pública e a qualifiquem. O que se vislumbra para nossos centros urbanos é a necessidade e urgência de mudarmos as velhas práticas de gestão do território e produção de espaços urbanos para que eventos dessa dimensão nos encontre menos suscetíveis aos eventos climáticos e não se transformem em calamidades como esta.

Precisamos de cidades planejadas, respeitando a sua geografia e o meio ambiente, e regiões metropolitanas que funcionem de modo articulado e eficaz. Para isso, é absolutamente necessário manter um serviço público de qualidade na área do planejamento urbano e regional. Temos que levar em conta que as emergências, em maior escala, e em extensões menores ou maiores, podem acontecer em qualquer lugar, mas que tragédias como as que estamos vivenciando são consequências de má gestão. Acreditamos ser urgente que as diferentes escalas do poder público estejam atentas e preparadas para lidar com a eminência de desastres ambientais desta magnitude em seus territórios.

Além das insubstituíveis perdas humanas e das perdas patrimoniais, ambientais e sociais imensuráveis que se apresentam no presente, o futuro que desponta é de profundos impactos económicos, sociais e políticos no desenvolvimento do Estado. Teremos pela frente muitos anos de trabalho e reconstrução. Nessa linha, para evitar que tragédias de tamanha magnitude se repitam, sugerimos os seguintes pontos como contribuição à reconstrução:

  • Promover amplo debate sobre a legislação ambiental do Estado suspendendo Projetos de alteração e flexibilização;
  • Promover a elaboração e revisão dos planos diretores considerando a urgência e a importância do mapeamento e da revisão das áreas de risco e condicionantes de vulnerabilidade ambiental dos territórios, considerando dispositivos de monitoramento, e sua imediata implantação;
  • Garantir a efetiva implantação da Lei nº 11.888/2008, Lei de Assistência Técnica pública e gratuita para o projeto e construção de habitação de interesse social – ATHIS, como instrumento permanente nos órgãos públicos, não vinculada às gestões;
  • Promover a saúde pública através de planos de qualificação habitacional, ligados às ações de ATHIS;
  • Garantir a participação das instituições de planejamento nos Conselhos Municipais de Planejamento Urbano e da Cidade de forma obrigatória;
  • Promover a participação da população e o debate sobre meio ambiente e urbanização nas Conferências Municipais das Cidades;
  • Promover de forma permanente a capacitação institucional dos gestores municipais e estaduais em planejamento urbano e ambiental e gestão do território;
  • Promover a Inovação e a Tecnologia priorizando o planejamento e desenho urbano das cidades, os espaços livres e as pessoas;
  • Implantar e ampliar políticas públicas de proteção ao Patrimônio Histórico e Ambiental;
  • Garantir o cumprimento e observância à legislação urbana e ambiental existente, a partir de sua real implementação, e baseada em estudos técnicos;
  • Fortalecer os sistemas de Defesa Civil e Gestão de Riscos, a partir do Estado, para os municípios, e que se implemente a criação da(s) agência(s) técnicas que deveriam ser os braços executivos dos comitês de bacia (a exemplo da Lei Estadual do RS nº 10.350/1994);
  • Promover parcerias institucionais com as universidades locais, utilizando o saber científico na produção de dados e apoio à tomada de decisão, a partir do entendimento da importância da ciência e da educação de qualidade;
  • Priorizar a aplicação de recursos no desenvolvimento e execução de projetos com o objetivo de adaptação das cidades à mutação climática em curso.

É imperativo que as gestões municipais adotem uma nova abordagem, em diversas escalas, implementando estratégias que reconheçam a urgência da situação como uma oportunidade para promover a transformação social e a regeneração do espaço urbano e ambiental.

Salientamos que arquitetos e urbanistas são especialistas não só em habitação, mas também em planejamento urbano, e deverão ser responsáveis por coordenar as equipes multidisciplinares que irão atuar no processo de reconstrução das cidades.

Por fim, temos certeza absoluta de que o Rio Grande do Sul possui conhecimento e técnica suficientes para dar resposta à altura das necessidades do momento e do futuro. Nossos profissionais arquitetos e urbanistas, e nossas instituições são reconhecidos internacionalmente. Os profissionais gaúchos possuem conhecimento do território, conhecimento da ciência e compromisso com seu povo, três elementos necessários para reconstruir nossas cidades.

Andréa Hamilton Ilha – Presidente CAU/RS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: CAU RS
Imagem: EFE/ Isaac Fontana

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