Produtos e soluções de arquitetura podem abrandar o impacto das mudanças climáticas
Nos últimos anos, a incidência de ondas de calor, eventos climáticos marcados por temperaturas acima da média em determinada região ou época do ano, tem aumentado expressivamente no Brasil. Nos dados observados em um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o crescimento foi de 645% em 60 anos. No período entre 1961 e 1990, houve 7 dias com ondas de calor, mas entre 1991 e 2000 ocorreu um salto para 20 dias; depois, subiu para 40, entre 2001 e 2010; e então, para 52, entre 2011 e 2020. A expectativa é de que o cenário se agrave quando houver uma atualização com dados a partir de 2021.
O calor excessivo traz prejuízos para a saúde, gerando desidratação, dores de cabeça, náuseas, dentre outros sintomas físicos e mentais. Para o setor de arquitetura e construção, enquanto desenvolvedor de espaços de convívio e de moradias, o desafio é propor soluções que ajudem as pessoas a ter qualidade de vida diante da nova realidade climática.
Segundo Fernando Forte, sócio do escritório FGMF, algumas soluções podem ser acessíveis, como cuidado com implantação, iluminação e ventos predominantes, que devem vir em primeiro lugar. “Em segundo, um uso mais abundante de vegetação, sobretudo de espécies locais para refazimento do ecossistema arruinado”. Produtos como telhas metálicas com isolamento térmico e tijolos de solocimento retirado do próprio canteiro de obras, são também citadas como soluções sustentáveis e acessíveis.
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Para Daniel Mangabeira, arquiteto e sócio-fundador do BLOCO Arquitetos. , um país como o Brasil exige que o setor desenvolva soluções para enfrentamento do calor. “Em nosso clima, é uma irresponsabilidade pensarmos edificações que dependam exclusivamente da utilização intensa de sistemas artificiais de climatização ou iluminação. Para nós, a boa arquitetura necessariamente se utiliza das possibilidades de ventilação e iluminação naturais que seu terreno permite. Por isso, acreditamos que as lições básicas do bom projeto ainda se aplicam atualmente, talvez de forma ainda mais urgente”, diz.
O arquiteto completa afirmando que proteger as fachadas da insolação excessiva e tirar proveito da ventilação e iluminação naturais, quando possível, é “uma obrigação de todo arquiteto que trabalha em países com climas semelhantes ao nosso. Há soluções industrializadas e outras que podem ser feitas com mão de obra local, depende muito do projeto. A arquitetura moderna brasileira, por exemplo, pode oferecer lições valiosas nesse aspecto com o uso de cobogós, brises-soleil, grandes beirais, fachadas vazadas, etc.”
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Isolamento térmico
Um dos produtos que auxiliam no enfrentamento do calor são as mantas de isolamento térmico, como as oferecidas pela Trisoft. As mantas são produzidas com lã de PET reciclada, matéria-prima que, por si só, não retêm calor. “Podemos destacar o Roof White para a construção civil, que é uma manta com película aluminizada, que ajuda na contenção de calor direto sobre as construções, como galpões, armazéns, etc”, afirma o CEO Maurício Cohab. As mantas são atóxicas, autoextinguíveis, leves e personalizáveis, garantindo que possam ser aplicadas em variadas tipologias.
Como qualquer produto que visa o controle da temperatura nos ambientes internos, as mantas têm a principal vantagem de gerar economia e sustentabilidade ao reduzir a necessidade de uso de ar-condicionado. Contudo, os produtos da companhia ainda são sustentáveis por si mesmos, produzidos com PET reciclada em processos que não consomem água, sem uso de aditivos químicos e com menor pegada de carbono, possibilitando que o produto possa voltar por logística reversa e ser novamente reciclado e se transformar em um novo produto. “Até dezembro de 2024, a Trisoft já retirou o equivalente a 6 bilhões de garrafas PET e as transformou em produtos de conforto térmico, acústico e estético”, pontua Maurício Cohab.
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Vidros para controle de insolação
A cadeia produtiva de vidros tem investido em tecnologias que ajudam na climatização dos ambientes. Isso porque os vidros sem qualquer preparo podem absorver todo o calor do sol e transformar os espaços em bolhas de calor. Vidros como ClimaGuard SunLight, da Guardian Glass, contam com bloqueio de calor duas vezes superior ao vidro incolor comum, e o Solar Plus, G31, da série SunGuard, oferece um bloqueio próximo a 67%. “Os vidros High Performance completam a série SunGuard, revestidos com uma camada única de prata e, por isso, oferecem equilíbrio entre passagem de luz e bloqueio de calor”, afirma Kristina Wu, Gerente Técnica Comercial da Guardian Glass.
Segundo a executiva, os vidros de controle solar da empresa são fabricados com a tecnologia de deposição catódica à vácuo – “sputtering”. “Este é um processo no qual as moléculas e íons são aplicadas sobre o vidro de maneira uniforme, resultando em um produto de controle solar com performance e qualidade consistente, homogeneidade estética e, consequentemente, mais eficiente”, acrescenta.
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Seguindo o mesmo propósito, a Blindex desenvolve uma série de vidros temperados para controle solar que recebe, no processo de fabricação, uma camada metálica para conferir maior proteção quando comparado com películas que têm a mesma função. “Além de diminuir a entrada de raios solares, esteticamente, é possível que o vidro seja produzido com diferentes níveis de transparência – mais transparente ou mais refletivo –, dependendo da escolha do cliente”, informa Glória Cardoso, Gerente Geral da divisão de Arquitetura da Blindex.
Uma vez que os vidros com controle solar são versáteis e podem trazer benefícios que vão desde redução do consumo de energia à preservação dos móveis – uma vez que reduz o impacto dos raios solares no ambiente interno –, esses produtos são populares em todo o país, em especial no Nordeste. “Nas grandes cidades, as pessoas estão cada vez mais conscientes sobre o impacto de um ambiente climatizado no conforto e na produtividade. Em regiões com menor acesso à tecnologia, ainda há uma lacuna na compreensão sobre a importância de ambientes bem projetados para o conforto térmico. Fatores como custo inicial e pouca informação técnica podem levar ao uso de soluções inadequadas ou sistemas ineficientes. Muitos ainda veem a climatização como um luxo”, diz Glória Cardoso.
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Telas e cortinas
Como complemento aos vidros temperados, as telas solares trazem uma proteção extra contra o calor. A empresa Uniflex, do grupo Elubel, desenvolveu tecidos tecnológicos para a produção de materiais que refletem a luz natural e minimizam a transmissão de calor. “Suas tramas milimétricas, bem como o formato dos fios, potencializam a difusão da luz do sol, bloqueando a radiação direta sobre ocupantes e superfícies. Estudos de simulação computacional mostram que a tela pode reduzir a temperatura interna de 30% a 50%, dependendo do tipo de vidro utilizado”, diz Silvia Fagundes, Head de Marketing da Elubel.
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A Hunter Douglas, que oferece suas próprias telas solares, produzidas com um combinação de PVC, poliéster e fibra de vidro, podem ser acrescentadas em outros produtos do catálogo da empresa, como as cortinas Duette e Rolô KoolBlack. “A Duette tem uma estrutura inspirada nas colmeias e apresenta um formato de favo de mel com bolsões que retardam a dissipação do calor de dentro para fora. Em alguns modelos, isso pode proporcionar até 80% de eficiência energética. Já a KoolBlack, com modelo originalmente usado na indústria militar para refletir calor em aeronaves, foi reinventada pela para trazer uma nova perspectiva ao design de interiores”, explica Patrícia Cayres Head de Marketing da Hunter Douglas.
A executiva afirma que as mudanças do clima impactou a demanda pelos produtos. “Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde predominam altas temperaturas e grande incidência solar, a demanda por soluções com conforto térmico é maior. Já nas regiões Sul e Sudeste, além do controle térmico, destacam-se as soluções que oferecem conforto acústico. Com as variações de temperatura e a imprevisibilidade climática — seja pela troca de estações ou pelos efeitos da crise ambiental —, cresce a procura por soluções que oferecem conforto térmico durante todo o ano”, aponta.
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Soluções estruturais
A Hunter Douglas oferece ainda soluções arquitetônicas que contribuem para o enfrentamento das ondas de calor, como: brises, sistemas modulares instalados em fachadas, que permitem o sombreamento dos edifícios sem comprometer a ventilação natural; e revestimentos perfurados, paineis com perfurações personalizáveis, permitindo diferentes graus de sombreamento e ventilação, ao mesmo tempo que criam efeitos visuais exclusivos.
Os produtos atendem a uma ampla variedade de ambientes internos e externos, utilizando matérias-primas como metais, madeira, cerâmica, HPL e têxteis, garantindo adaptação a diferentes projetos e necessidades. “Todas as regiões do Brasil enfrentam períodos de calor intenso que justificam o uso de soluções de controle solar. Entretanto, as regiões como o Nordeste e Centro-Oeste apresentam temperaturas mais elevadas e grande incidência de sol praticamente o ano todo. Essas regiões demandam materiais e subestruturas mais resistentes devido à ocorrência de ventos fortes, especialmente em edifícios altos”, explica José Henrique F. Ribeiro, Diretor de Produtos Arquitetônicos da Hunter Douglas.
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Novas escolhas
Há um consenso entre os profissionais do setor de que os clientes finais ainda não estão plenamente cientes sobre a importância da climatização dos ambientes. A mudança desse cenário é possível pela difusão de informação. Para Patrícia Cayres, da Hunter Douglas, despertar o interesse dos brasileiros por conforto térmico exige uma abordagem estratégica de conscientização. “É fundamental mostrar, de forma prática, como essas soluções ajudam a reduzir o consumo energético e elevar o bem-estar. É essencial para inspirar uma transformação nos hábitos e escolhas”, diz.
De acordo com Silvia Fagundes, da Uniflex, muitas pessoas ainda não têm plena noção de como soluções inteligentes fazem a diferença. “Os profissionais da arquitetura desempenham um papel chave nesse processo de educação, pois são eles que têm o conhecimento técnico para mostrar como essas soluções impactam diretamente no bem-estar dos ocupantes e, claro, na eficiência energética dos projetos”. Para a executiva, é importante que as empresas estabeleçam parcerias com especificadores. “Trabalhar de perto com arquitetos, designers e construtoras irá integrar essas soluções desde o início dos projetos, para garantir que o conforto térmico seja uma prioridade”, pontua.
Para finalizar, segundo Fernando Forte, do FGMF, as soluções chamadas passivas, que não possuem mecanismos elétricos, como ar condicionado, ventiladores, exaustores e afins, são mais acessíveis a grande parte da população. Entre os exemplos estão:
- Orientação da construção em relação a sua latitude e norte, para que a insolação seja controlada e correta;
- Uso de beirais, venezianas, brises e vegetação, preferencialmente em conjunto com a implantação adequada;
- Uso de “ventilação cruzada” que permite que os ambientes desfrutem, ao abrir janelas opostas, de uma ventilação natural;
- Uso de paredes com inércia térmica (mais densas, mais grossas, etc) em locais corretos para que o calor não as ultrapasse e esquente demais determinados ambientes internos;
- Uso de ventilação zenital – aberturas no teto –,que pode estar atrelada a iluminação também;
- Uso de telhas metálicas com isolamento térmico, mantas sob telhados de telhas de barro, lajes jardim ou ainda lajes com elementos que não esquentam como argila expandida, manta anti calor, etc.
Por: Victor Hugo Felix.