As razões pelas quais as demolições de edifícios ocorrem variam da falta de manutenção e reformas adequadas ao processo de desenvolvimento imobiliário nas cidades, que busca, a todo o momento, dar nova cara aos bairros, alterando os usos dos terrenos ou, mantendo-os, atualizando ou simplesmente requalificando as funções atuais de edificações existentes. Fato é, para que esta transformação ocorra o antigo deve dar lugar ao novo e não há nada de errado nisso. Neste sentido, a demolição é a resposta ao fim de vida de edifícios, em uma perspectiva de “ciclo de vida”.
Historicamente, percebemos que, se bem mantidos e/ou reformados, os edifícios podem durar até séculos. A contar os mercados municipais de diversas cidades brasileiras e demais edifícios que possuem grande valor histórico-cultural, como o Theatro da Paz, em Belém do Pará (1878) e o Elevador Lacerda, em Salvador (1873). Todavia, em muitos casos, os edifícios não são mantidos de forma adequada, encontrando-se em alto estado de degradação ou em risco de instabilidade e, por várias vezes, o custo de manutenção ou reabilitação é muito elevado em face da demolição total.
Conforme já abordado e bem explorado em outros artigos e reportagens nesta edição, o processo de demolição na Construção Civil representa uma das maiores fontes de geração de resíduos no Brasil e no mundo. Sendo a demolição uma etapa essencial para a renovação do ambiente construído no meio urbano, assim como os demais estágios do ciclo de vida das edificações, este precisa ser realizado levando-se em conta princípios que elevem o grau de sustentabilidade
Traremos aqui algumas técnicas importantes para o desenvolvimento desta atividade, dando ênfase à responsabilidade dos arquitetos, tanto no acompanhamento da demolição de uma edificação como também no estágio inicial do ciclo de vida de uma nova edificação, quando do desenvolvimento de memoriais de especificação que considerem materiais de reuso.
PRIMEIRA ETAPA
Planejamento para demolição
Antes de tudo, é importante destacar a importância de se planejar muito bem a demolição antes do seu início, aumentando assim o potencial de aproveitamento e recuperação do valor dos materiais existentes no local. A atuação de equipes multidisciplinares auxilia bastante esta etapa; portanto, envolver arquitetos, engenheiros e a empresa contratada para realizar a demolição (empresa de demolição).
Recomenda-se a realização das seguintes atividades iniciais ao se preparar uma obra para demolição:
-Estudo sobre o terreno e a edificação, registrando todas as informações disponíveis. Nesta fase recomenda-se ainda considerar quais os requisitos legais pertinentes e relevantes para a realização da atividade.
-Realização de uma auditoria pré-demolição. Esta visita in loco tem como finalidade registrar e avaliar o grau de conservação dos materiais existentes e levantar as quantidades e dimensões dos materiais com potencial para reuso. O sucesso do processo de auditoria pré-demolição será maior se houver informações confiáveis de projeto: desenhos, relatórios, listas de quantidades, inventário de equipamentos, especificações etc.
-Realizada esta fase de estudo e caracterização da edificação e dos seus materiais, deverá ser realizada a seleção de princípios e metodologia adequada para execução da atividade de demolição, considerando as normativas e controles relacionados à segurança do trabalho. O tipo e método de demolição dependem, basicamente, do tipo de estrutura e materiais envolvidos, espaço disponível para armazenamento e separação dos materiais, premissas de segurança do trabalho e, não menos importante, do tempo e recurso financeiro disponíveis para a realização da atividade.
Definição dos procedimentos e protocolos a serem seguidos durante a realização da demolição, passando pela forma como as áreas e materiais serão identificados e armazenados aos documentos de rastreio e controle da saída dos materiais do local da obra.
SEGUNDA ETAPA
Primeira limpeza ou “soft strip”
Esta é considerada uma etapa-chave para o sucesso de uma demolição, independentemente do seu escopo (demolição parcial ou total). Após o desligamento e desconexão das instalações, é nesta etapa que se encontram as oportunidades mais importantes para se recuperar componentes e materiais para reuso ou reciclagem. A sequência típica de atividades de limpeza inicial pode ser considerada:
-Desligamento, preferencialmente realizado por profissional competente na área de instalações prediais, de todas as instalações elétricas, hidráulicas, de ar-condicionado, mecânicas e de sistemas especiais.
-Identificação cautelosa de todos os resíduos perigosos ou com potencial de contaminação do solo, ar e água. Aqui, se incluem, mas não se limitam, materiais como telhas ou demais componentes fabricados com amianto, pilhas e baterias, gás refrigerante de sistemas de ar-condicionado etc.
-Realização de instalações provisórias (iluminação) e sinalização de emergência antes do início do manuseio dos materiais e equipamentos.
-Primeira triagem de materiais: remoção de materiais de fácil desmontagem e de alto valor agregado, tais como cortinas, carpetes, luminárias, móveis e outros dispositivos e acessórios. Ideal que esta primeira triagem ocorra do pavimento superior e venha descendo aos demais.
-Remoção e destinação dos materiais perigosos que não poderão ser aproveitados, realizadas por empresas especializadas.
-Após a remoção dos itens perigosos e de mais fácil remoção, deverá se avaliar a disponibilidade de espaço para a próxima etapa de triagem, que irá requerer mais espaço para o adequado armazenamento dos materiais.
-Segunda triagem de materiais: remoção de materiais de desmontagem mais complexos, envolvendo tubulações, motores, equipamentos, divisórias, revestimentos, pisos etc.
A partir daí, seguem as etapas consideradas convencionais de uma demolição com a remoção física das estruturas. Caso não se tenham estruturas que possam ser desmontadas (estruturas pré-moldadas, parafusadas, madeira engenheirada) provavelmente os resíduos a serem gerados nesta fase de demolição física terão apenas potencial para reciclagem e não reuso.
A lógica é simples: tudo que é novo requer passar por todas as etapas de produção dentro de uma perspectiva de ciclo de vida; portanto, desde a extração da matéria-prima (primeira etapa) até a sua entrega/instalação, para que esteja pronto para uso. Assim, reusar materiais de construção significa aproveitar todo o trabalho, energia, matéria-prima e tempo empenhados na fabricação de produtos.
Apesar da enorme importância da reciclagem, sendo este um método que busca recuperar parte da matéria-prima existente em materiais já manufaturados e retorná-la ao processo produtivo, esta é considerada uma medida que demanda uma grande quantidade de energia.
Uma demolição cuidadosa no final da vida útil de um edifício provavelmente vai requerer as etapas de triagem maior e mais detalhada que o método convencional, pois materiais e componentes precisam ser retirados com mais cuidado. Um bom projeto, que facilite a desconstrução, tornará esta remoção mais fácil de se realizar (portanto, mais rápida), resultando em mais materiais reutilizados e reciclados, reduzindo assim o impacto ambiental da atividade e o custo total.
Parafraseando Michael Braungart e William McDonough, no famoso livro “Cradle to cradle – criar e reciclar ilimitadamente”, se nós realmente quisermos prosperar enquanto sociedade, então teremos que aprender a imitar o sistema natural, altamente eficaz, no qual o conceito de desperdício simplesmente não existe. Para isso, precisaremos projetar novas edificações considerando a reutilização de materiais que já foram usados em outras construções que não nos servem mais e, como premissa de projeto, a desmontabilidade dos diversos sistemas que compõem uma edificação. Pode parecer distante, mas a arquitetura e engenharia brasileiras já provaram para o mundo que possuem a criatividade e a capacidade técnica de fazer isto acontecer. Talvez o que nos falte seja engajamento e vontade.
Por Renato Rocha Salgado
Engenheiro Ambiental pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Especialista em Planejamento, Gestão e Controle de Obras Civis pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Consultor de obras sustentáveis do CTE – Centro de Tecnologia de Edificações desde 2012, atuando em mais de 100 projetos e obras em busca de certificações de construção verde. É LEED® Accredited Professional BD+C (LEED® AP BD+C) pelo Green Business Certification Institute (GBCI) e Profissional GBC Casa e Condomínio® pelo GBC Brasil.
Referências:
ADDIS, BILL. Reúso de materiais e elementos de construção / Bill Addis ; tradução Christina Del Posso. São Paulo: Oficina de Textos, 2010.
MCDONOUGH, WILLIAM. Cradle to cradle – criar e reciclar ilimitadamente / William Mcdonough, Michael Braungart ; tradução Frederico Bonaldo. 1ª. ed. São Paulo: Editora G.Gili, 2013.