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Depois da chuva!

Sistemas de captação e aproveitamento de águas pluviais é solução para preservar recursos hídricos e gerar economia.

 

2022 tem sido marcado por chuvas intensas em todo o Brasil. Segundo o portal Climatempo, o fenômeno La Niña é o principal responsável por esse feito. Apesar do verão ser uma estação marcada pelo alto volume de chuvas, o La Niña, combinado com outros fatores, faz com que o volume de precipitações esteja acima da média no país. Seria possível, então, aproveitar as águas pluviais para reduzir o consumo já elevado de água potável no mundo?

Considerando que as crises hídricas têm sido mais frequentes e intensas, as técnicas de uso de águas pluviais seriam uma opção para poupar os recursos naturais. “O aproveitamento da água da chuva colabora para reduzir a vulnerabilidade hídrica, conter enchentes e dar certo alívio aos reservatórios, além de reduzir a conta de água do consumidor”, explica Edson Grandisoli, pós-doutor pelo Programa Cidades Globais (IEA-USP) e coordenador pedagógico do Movimento Circular, iniciativa que promove a economia circular na América Latina. Alfredo Akira Ohnuma Jr., professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), enumera os principais benefícios do aproveitamento de águas pluviais:

  1. Redução do consumo de água potável;
  2. Eliminação de determinados poluentes na rede de drenagem quando instalados filtros de controle e tratamento do volume inicial da chuva; 
  3. Melhoria nas condições da descarga do volume de escoamento superficial, tendo em vista o aproveitamento da água de que seria escoada pelo telhado e distribuída na rede de água pluvial.

Desse modo, os benefícios seriam percebidos tanto no âmbito coletivo, reduzindo o impacto de alagamentos, por exemplo, quanto no individual. “A economia no uso da água da chuva varia em função da tecnologia utilizada, bem como da área de captação do telhado, das dimensões do reservatório, das condições de chuva no local do empreendimento e da demanda do usuário do sistema. No geral, pode-se ter uma economia entre 15 e 60% na conta de água”, afirma Alfredo Akira Ohnuma Jr.

O processo de aproveitamento da água da chuva, contudo, deve seguir critérios específicos, como as normas estabelecidas pela Lei nº 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico, e a Norma ABNT NBR 15527, que apresenta os procedimentos para a arquitetura implementar os sistemas de captação nas obras.

Segundo o professor Alfredo Akira Ohnuma Jr, o projeto do sistema deve considerar as condições de chuva no local, tanto no que se refere ao volume precipitado, quanto à qualidade da água. “Há diversos pluviômetros que podem auxiliar na coleta dessas informações. Desse modo, os estudos e projetos devem considerar, ao menos, a precipitação média mensal na região a partir de um histórico de 3 anos”, diz. Quando não houver esses dados, é necessário 1 ano de histórico de chuvas acumuladas mensalmente.

 

Usos possíveis

A água das chuvas, ao cair nas telhas e calhas e correr até as bocas de lobo, carregam diversas impurezas que as tornam impróprias para consumo. As chuvas entram na categoria de água cinza, assim como as águas utilizada em atividades domésticas (banhos, limpeza de carros, limpeza de piso, etc). Portanto, para que as chuvas sejam de fato aproveitadas, é fundamental que as águas recebam o devido tratamento, evitando contaminações e prejuízos à saúde humana.

No Brasil, as águas são divididas em três categorias:

  • Águas brancas: potáveis, próprias para consumo humano e irrigação de hortas;
  • Águas cinzas: foram utilizadas para lavar roupa, louças, automóveis, e outras atividades não industriais;
  • Águas negras: foram utilizadas em descargas e carregam dejetos.

 

Como fazer o aproveitamento

O uso de cisternas é a forma mais comum de se realizar a captação e o tratamento das águas de chuvas. As opções disponíveis no mercado são variadas, desde as menores, com capacidade mínima de 80 litros, a cisternas muito mais amplas de uso industrial. Podem ser feitas de plástico, fibra de vidro, ou construídas em alvenaria. A NBR 15527 exige que as águas sejam captadas na cobertura ou no telhado das edificações, de modo a evitar contaminações por resíduos comuns nos pisos, como produtos químicos.

 

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As cisternas devem contar com um sistema para descarte dos primeiros 2mm de chuva pois, especialmente em áreas urbanas, esse first flush vem contaminado com impurezas da atmosfera e sujeiras do telhado e das calhas, desde animais mortos a matéria orgânica. Só após esse descarte a água poderá ser tratada para aproveitamento.

Os sistemas podem ser instalados durante a obra das edificações ou depois que o projeto estiver pronto, nem sempre há necessidade de reformas dependendo das dimensões das cisternas. Porém, é fundamental que a água esteja protegida contra a incidência de raios solares, evitando a proliferação de algas, fungos, bactérias e outros organismos. Assim, é comum que as cisternas sejam enterradas, o que exige estudo para que o solo esteja adequado para essa função. Cisternas comuns realizam a filtragem e cloração da água, tornando-a apta para ser utilizada. É possível torná-la potável e própria para consumo, mas para isso é necessário um tratamento mais elaborado.

À exemplo, a Casa das Birutas, com 212 m2 de área construída, localizada em Piracaia, São Paulo, foi projetada para ser autossuficiente em energia, usar e tratar suas águas e prover alimentos, integrando sistemas inteligentes e sustentáveis. Como a residência está localizada em uma área distante do sistema de água e esgoto, a água potável é retirada de uma nascente e é utilizada apenas para fins “nobres”, como chuveiros, filtros e pias. Já as descargas dos vasos sanitários e a irrigação do jardim é feita com água captada da chuva. 

 

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Baixa adesão

Embora não haja dados concretos sobre o aproveitamento de água de chuva no Brasil, há consenso entre especialistas de que a prática não é bem difundida. O país conta desde 2003 com o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas), que visa promover o acesso à água para o consumo humano e para famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca. Mas segundo levantamento do jornal Valor Econômico, em 2019 foi entregue o menor número de cisternas até então, 30,5 mil. Em 2020, o número caiu para 8,3 mil.

Em áreas urbanas, a adesão é baixa especialmente por questões econômicas. Para o engenheiro Eduardo Pacheco, diretor técnico do Portal Tratamento de Água, o custo é tão elevado que raramente compensa. Segundo o profissional, o aproveitamento de água de chuva exige uma série de cuidados, desde a limpeza das calhas e cisternas, à cloração e ao uso de bombas para retirar a água das cisternas. “Em residências, se não houver cuidado, é melhor não ter”, afirma, sugerindo que seria mais apropriado o reuso da água cinza descartada de atividades domésticas.

O arquiteto Omar Fernandes, diretor e fundador da Olaa Arquitetos, afirma que é necessário um cálculo preciso para avaliar se é recomendado ou não o aproveitamento de águas pluviais. “Eu tive a oportunidade de fazer uma cisterna para um cliente e decidi não fazer, pois o custo era muito elevado em relação ao benefício”, conta.

Ainda assim, Omar Fernandes acredita que a solução é uma opção válida para buscar economia e sustentabilidade. “O primeiro a se fazer é pensar que cisterna será usada no projeto, que estrutura vai ocupar”, diz. Em caso de ser enterrada, ela pode aproveitar a área da piscina, com solo devidamente preparado. Também é possível deixar a cisterna sobre a casa, fazendo o uso da gravidade que a água escoe pelos encanamentos, evitando assim gasto com bombas.

O arquiteto acrescenta que o projeto deve constar na documentação da obra que está sendo construída ou reformada, seguindo as devidas normas da construção civil. Como as leis que regem o tema são municipais, é importante que os responsáveis busquem os órgãos competentes.

 

Exemplo

O projeto arquitetônico do Sesc Guarulhos (SP), concebido pelo escritório Dal Pian Arquitetos, conta com um sistema de captação de águas pluviais desde sua concepção, e está operando desde maio de 2019. A água é coletada no teto da unidade, passa por um processo simples de filtragem e tratamento e é armazenada em cisternas no subsolo. A água tratada, então, é utilizada para as descargas dos sanitários e a rega dos jardins.

De acordo com Renata Crivoi, educadora ambiental do Sesc Guarulhos, não há dados que quantifiquem a economia que o sistema gera para a instituição. Ainda assim, em razão da preservação dos recursos hídricos que proporciona, a iniciativa é recomendável. “Digo mais, novos projetos arquitetônicos deveriam prever um sistema de captação e uso de água de chuva. Creio ser um dever não só técnico, como também ético dos profissionais da arquitetura, engenharia, e planejamento urbano. No Sesc Guarulhos, de tempos em tempos, oferecemos oficinas para ensinar a fazer uma mini cisterna de uso doméstico”, afirma.

 

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Com 34.200,00m² de área construída e localizado próximo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, o Sesc Guarulhos foi concebido como um grande espaço democrático e convidativo, que procura favorecer e suscitar a convivência, o desenvolvimento e a interação entre pessoas. O projeto, repleto de soluções sustentáveis, enfatizar a condição do Sesc como comunicador social e polarizador cultural.

Para Luiz Augusto Antonin, proprietário da Casa da Cisterna, empresa especializada em tratamento de água de chuva, o maior problema tem sido a desinformação dos profissionais da arquitetura e da engenharia, mesmo quando os clientes finais têm interesse em cisternas. “O custo muitas vezes é irrisório. Nós temos cisterna de mil litros que custam R$ 2500, captando mais de 50 mil litros de água por ano. Uma barra de cano a mais já distribui água de chuva para onde o cliente quiser, mas são coisa que não se aprende na faculdade”, pontua.

Apesar das controvérsias, os sistemas de aproveitamento de água de chuva têm sido considerados técnicas de compensação dos efeitos da urbanização, como as frequentes inundações. É o que defende o professor Alfredo Akira Ohnuma Jr., que acredita que, quando aplicado em larga escala, a técnica pode melhorar os sistemas de saneamento como um todo. “Discordo que o aproveitamento de água de chuva não seja viável, uma vez que os benefícios a médio e longo prazo podem superar às expectativas econômicas, com recuperação do investimento em 2 anos, ou até menos”, pondera

 

 

Ação do Poder Público

O engenheiro Eduardo Pacheco menciona que, na França, o rio Sena é limpo porque a água da chuva é tratada, em vez de ser despejada nos rios carregando impurezas que poluem tanto quanto esgoto. De acordo com o especialista, seria apropriado que as águas pluviais fossem coletadas em larga escala para serem tratadas em um manancial produtor e assim distribuídas para a população. “É perfeitamente possível, mas o que impede é a questão financeira”, diz. Para o engenheiro, o alto custo impede iniciativas como essa no Brasil.

Outra forma do Poder Público contribuir para ampliar o aproveitamento de água de chuva seria por meio de programas como o IPTU Verde, que aplica diferentes níveis de descontos nos tributos para contribuintes que têm práticas sustentáveis em propriedades urbanas. É o que defende Thiago Rocha de Paula, gestor da Escola de Governo de Santo André (SP). “O programa premiaria, por exemplo, o condomínio que retém água de chuva para reuso. Premiar quem tem ações socioambientais é uma ideia para incentivar a prática”, afirma.

Há um consenso entre especialistas de que a maior dificuldade para que o aproveitamento de água de chuva se difunda é a falta de informação sobre o tema. “As pessoas precisam começar a pensar em sua moradia e local de trabalho seguindo uma lógica mais circular, como aproveitar e reaproveitar elementos do dia a dia que iriam para o lixo ou, no caso da água, para o esgoto”, diz o professor Edson Grandisoli.Deveríamos estimular ações de reaproveitamento em todos os setores, e no caso da água, garantir preços menores e financiamentos para quem deseja ter seu próprio sistema de captação”, finaliza.

 

 

 

 

Por: Victor Hugo Felix
Imagens:   Gera Brasil, Casa da Cisterna e Pedro Mascaro

 

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