Sheilla Dourado, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos, cede entrevista exclusiva ao diretor da Casa e Mercado, Renato Marin.
Os eventos climáticos extremos ocorridos em 2024 (e agora em 2025), ao que parece, não sensibilizaram o Executivo e Legislativo no PLOA 2025. Para entender as motivações, o diretor de Casa e Mercado, Renato Marin, entrevista Sheilla Dourado, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos- INESC, organização não governamental sediado em Brasília (www.inesc.org.br).
1. Ano passado, dois temas pautaram o noticiário nacional: as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no centro oeste do País, aparentemente causando forte comoção nacional. O plano orçamento anual 2025, no que concerne à gestão de riscos e desastres, no entanto, prevê com relação a 2024 uma menor dotação. Em sua opinião, por quê?
Diante das tragédias climáticas ocorridas no ano passado, a atitude esperada do governo federal seria aumentar e aperfeiçoar a destinação de orçamento público para ações tanto de recuperação quanto de prevenção. No entanto, como foi observado, um dos principais programas orçamentários voltados para adaptação às mudanças do clima, o programa 2318 referente à gestão e riscos de desastres, teve dotação reduzida em 200 milhões de reais.
A explicação para essa diminuição está na nova regra de gastos, conhecida como novo arcabouço fiscal (NAF), que impõe limitação ao crescimento das despesas públicas, bem como o seu contingenciamento. Desse modo, as ações de combate às mudanças climáticas precisam competir por recursos com outras demandas sociais e econômicas básicas, como saúde e educação.
Além disso, o atual regime de emendas parlamentares aumenta a quantidade de emendas de cumprimento obrigatório e submete ao poder legislativo o controle de parte significativa do orçamento público discricionário. Isso concorre com e enfraquece a execução de políticas públicas imprescindíveis à realização de direitos, entre elas aquelas voltadas para mudanças climáticas.
2. Também as emendas parlamentares individuais ou de bancada preveem menor destinação no plano 2025 para ações preventivas de ocorrências de desastres naturais. Em sua opinião, quais são as motivações para essa configuração, em face das incertezas produzidas pelas alterações do clima?
Em 2024, nós fizemos um recorte e escolhemos, para primeira análise e incidência, um dos vários programas orçamentários ligados às questões climáticas, o programa 2318 – gestão de riscos e de desastres, que resultou na Nota Técnica Adaptação na Era dos Extremos Climáticos. Foi uma experiência piloto e que será ampliada para o debate do PLOA 2026.
Este programa contempla tanto ações de prevenção quanto de recuperação. E, de fato, nosso levantamento demonstrou que houve a redução de emendas parlamentares para o Programa 2318, tendo sido R$ 68,9 milhões previstos no PLOA 2024 enquanto no PLOA 2025, foram apenas R$ 39,1 milhões. É importante lembrar que a dotação orçamentária feita pelo Poder Executivo para o mesmo programa foi também reduzida em R$ 200 milhões, passando de R$ 1,9 bi em 2024 para R$ 1,7 bi em 2025.
Com relação à mudança do clima, a ciência já nos trouxe e continua trazendo evidências de sua existência e seus efeitos. Mais que isso, a experiência real de viver, no nosso dia a dia, as tragédias provocadas pelos eventos climáticos extremos não nos permitiria mais, como sociedade, alimentar incertezas acerca disso. Contudo, o negacionismo climático está presente tanto no Congresso Nacional quanto no poder executivo, não sendo reconhecida a urgência da agenda preventiva e não somente de recuperação de desastres.
Além disso, a partir da nossa experiência de incidência junto ao poder legislativo, observamos que também falta conexão entre os parlamentares e as iniciativas que se apresentam via projetos, propondo medidas de adaptação climática nas localidades atingidas pelas mudanças do clima. Assim, deputados e senadores deixam de destinar emendas parlamentares para essa demanda, por desconhecerem a necessidade local. Mas é preciso destacar, mais uma vez, que faltam ainda diretrizes nacionais e estrutura, bem como capacitação e suporte técnico para as prefeituras, sobretudo as menores, na elaboração de planos municipais de adaptação.
3. Nos primeiros dias de janeiro, por falta de execução de obras de contenção de encostas em áreas urbanas, Minas Gerais já apresentou número significativo de mortes por deslizamentos de terra. Qual sua expectativa para 2025?
Infelizmente estamos vivenciando as tragédias climáticas e, neste cenário, acredita-se que os eventos extremos aumentarão em intensidade e quantidade no mundo todo, não apenas no Brasil. Esta é uma previsão de base científica. Ou seja, nós já vivemos uma realidade de crise climática que irá se agravar.
Em janeiro de 2025, além de Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo tiveram níveis de chuva acima do esperado, provocando alagamentos e deslizamentos. Desde o começo do ano, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu alertas para chuvas intensas em várias regiões do Brasil e diversos municípios decretaram estado de emergência. E este é apenas o primeiro mês do ano. Como ter boas expectativas diante desse cenário?
4. Quais as políticas públicas devem ser adotadas imediatamente, de forma estratégica, para inibir queimadas e desmatamentos, visando zerar até 2030 as emissões de carbono? Você acredita que haja vontade política para sua implementação?
Em primeiro lugar, uma medida crucial é a punição dos responsáveis pela devastação ambiental provocada por queimadas e desmatamentos. A impunidade é uma grande vilã da proteção ambiental no Brasil e muitas dessas ações criminosas têm relação direta com a grilagem de terras, muitas delas em áreas de proteção ambiental. Trata-se de aplicar a lei de crimes ambientais (Lei n. 9605/98), pela qual provocar queimada e desmatamento ilegal são ações tipificadas como crimes. Essas ações podem ser detectadas em tempo real, assim, dispomos de dados e tecnologia para punir devidamente os criminosos.
A partir de 2023 o governo federal investiu em políticas públicas de redução de desmatamento com resultados positivos. Contudo, no ano seguinte, o número de queimadas foi recorde no país, destruindo porções significativas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal. Aumentar as brigadas de incêndio e investir na fiscalização ambiental para o monitoramento de áreas naturais são igualmente medidas urgentes e necessárias. Nesta semana, uma decisão do STF determinou que União e Estados apresentem planos emergenciais contra queimadas, para que o ano de 2025 não seja similar a 2024.
Para não continuarmos, figurada e literalmente, apagando incêndios, precisamos de uma solução para a governança climática no Brasil. Necessitamos de um sistema nacional que distribua responsabilidades e competências, que garanta recursos financeiros e técnicos suficientes entre os entes federativos e que assegure a participação social. Nisso se resume a noção de federalismo climático, a medida estruturante que precisa ser urgentemente implementada em nosso país.
Sobre vontade política, é preciso entender que a agenda do clima configura um campo de disputas movido por interesses políticos, econômicos e sociais muito diversos, nacional e internacionalmente. Reconhecemos o esforço de setores do governo federal em prol da sustentabilidade e do enfrentamento às mudanças climáticas. Mas há divergências profundas no interior do próprio poder Executivo, entre suas agências, ministérios e dentro de um mesmo ministério. A controversa exploração de petróleo – um combustível fóssil – na foz do rio Amazonas é um dos exemplos mais conhecidos. Em 2023, para cada R$ 1 gasto em fontes renováveis, R$ 4,52 foram destinados aos fósseis. Essa relação precisa ser invertida, se o objetivo for reduzir as emissões de gases poluentes, que são os grandes responsáveis pela mudança no clima.
Felizmente, existem parlamentares no Congresso Nacional que atuam em favor da pauta climática. No entanto, a correlação de forças é desigual diante de uma maioria que atende ao lobby negacionista do agronegócio, do setor mineral e do setor privado em geral.
Nossa aposta, mesmo diante de todos os desafios existentes, é que o amplo debate sobre a governança climática, possa colocar em marcha a estruturação de federalismo climático com a robustez técnica e financeira necessária a esse enfrentamento.
Toda a sociedade brasileira ganha com isso, pois o aumento dos eventos climáticos extremos e suas terríveis consequências, que são inexoráveis, têm impacto no aumento da fome, da pobreza, aprofundando as desigualdades de gênero e raça; mas, também, afetam negativamente os negócios e, consequentemente, o crescimento do país.