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Legislação reforça papel da construção civil no manejo dos resíduos

Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece critérios para que construtoras possam fazer a gestão correta do material descartado das obras.

 

 

A legislação brasileira, nos últimos anos, se tornou ainda mais rígida para garantir que os resíduos da construção civil (RCC) sejam descartados sem causar prejuízos ambientais. Não basta contratar um caçambeiro para remover o entulho de uma construção, sem saber qual será a destinação dos resíduos. É necessário um planejamento completo para que haja, de um lado, menor geração de resíduos, e de outro, a destinação correta de todo o material descartado.

O que rege esse tema no Brasil é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Nº 12.305/2010. Segundo Alessandro Azzoni, advogado especialista em direito ambiental e econômico, a lei trouxe profundas mudanças nesse tema, seguindo os direcionamentos da Lei Nº 11.445/2007 de saneamento básico.

Um dos principais pontos do PNRS diz respeito à responsabilidade compartilhada, que torna os geradores de resíduos responsáveis pela destinação do material descartado. “Antes, se o caçambeiro jogasse o entulho da obra na rua, de forma irregular, era responsabilidade apenas do caçambeiro. Com a Lei, o dono do resíduo também será responsabilizado, seja criminalmente, administrativamente ou em termos de responsabilidade ambiental”, explica Alessandro Azzoni.

Outro ponto de destaque no PNRS é a determinação da logística reversa, na qual se torna necessário o setor produtivo fabricar produtos que possam ser reciclados após seu uso. “Desse modo, o produtor vai calcular qual o custo da reciclagem e investir em produzir o que seja economicamente viável ser reciclado”, diz o especialista. Dessa forma, é possível aumentar o volume de materiais reciclados no mercado e reduzir o descarte de rejeitos.

“Os aterros se tornaram inviáveis, seja pelo rigor da lei ou pelo fato de que nenhuma cidade quer esse tipo de passivo ambiental, porque desqualifica a região mesmo se seguir as normas” – Alessandro Azzoni, advogado especialista em direito ambiental e econômico.

O PNRS é bastante claro ao distinguir resíduos de rejeitos. Resíduo é o que pode ser reaproveitado, seja por meio de reciclagem ou de reutilização. O rejeito é o que não pode ser reaproveitado, portanto deve seguir para aterros. Entretanto, destinar materiais para aterros está cada vez mais custoso, segundo Alessandro Azzoni. Os aterros estão cada vez mais distantes dos grandes centros urbanos, o que encarece o transporte. O que o PNRS faz é justamente criar meios de reduzir o volume de rejeitos e assegurar que os resíduos tenham o reaproveitamento adequado.

 

Plano Nacional de Resíduos Sólidos

A Lei Nº 12.305/2010 frisa a necessidade de se criar planos de gestão de resíduos sólidos em diferentes âmbitos, seja nacional, estadual ou municipal, além de estimular a criação de planos intermunicipais, para uma gestão integrada dos resíduos. Atualmente está em vigor o Plano Nacional de Resíduos Sólidos estabelecido em 2018, que deve ser renovado a cada quatro anos. Entretanto, segundo o Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic 2017), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 50% dos municípios não têm um plano de gestão de resíduos sólidos.

O PNRS decreta que empresas e profissionais responsáveis por obras de construção e reforma criem Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos da Construção Civil (PGRCC), que devem seguir as diretrizes do Plano Municipal e Estadual e ser apresentados às autoridades competentes da região. Em linhas gerais, o PGRCC deve contar com as seguintes informações:

  1. Caracterização: o gerador deve identificar, classificar e quantificar os resíduos gerados nas obras;
  2. Segregação: deve-se, ainda, separar os resíduos a partir de sua classificação, o que pode ser feito no próprio canteiro de obras ou em locais licenciados para esse tipo de atividade;
  3. Acondicionamento: o armazenamento adequado dos materiais, a fim de que possam ser reciclados, reutilizados ou descartados corretamente.
  4. Transporte: empresas devidamente licenciadas devem prestar esse serviço, portanto é importante identificar quem serão os responsáveis por essa atividade; e
  5. Destinação: além de identificar qual fim será dado a cada tipo de resíduo, é fundamental apontar quais empresas serão responsáveis pelos processos de reciclagem, reutilização e descarte, a fim de compartilhamento das responsabilidades.

A Lei 12.305/2010 pede, ainda, que se apresente metas e procedimentos para a redução da quantidade de resíduos e a periodicidade da revisão do PGRCC. Mesmo que o município não tenha um plano estabelecido, ainda é necessário que a empresa crie o próprio. Os planos devem estar de acordo com as orientações do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), descrevendo cada tipo de resíduo gerado e como esses materiais serão manejados.

 

Conama

A resolução nº 307/2002 do Conama trata diretamente sobre resíduos da construção civil. Nela, os RCC são separados em 4 classes e a cada uma é apresentada uma forma de tratamento adequada.

 

  • Classe A

Exemplos

Resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados, provenientes de construções, demolições, reformas, entre outros, tais como componentes cerâmicos, argamassa, concreto e peças pré-moldadas de concreto

Destinação

Deverão ser reutilizados ou reciclados na forma de agregados ou encaminhados a aterro de resíduos classe A de reserva de material para usos futuros

  • Classe B

Exemplos

Resíduos recicláveis como plástico, papel, metal, papelão, vidro, madeira e embalagens vazias de tinta e gesso

Destinação

Deverão ser reutilizados, reciclados ou encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura

  • Classe C

Exemplos

Resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação

Destinação

Deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas

  • Classe D

Exemplos

Resíduos perigosos como tintas, solventes, óleos e outros, além daqueles contaminados ou prejudiciais à saúde oriundos de demolições, reformas e reparos de clínicas radiológicas, instalações industriais e outros, bem como telhas e demais objetos e materiais que contenham amianto ou outros produtos nocivos à saúde

Destinação

Deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas

 

A resolução nº 307/2002 do Conama não detalha, contudo, quais destinações exatas cada tipo de resíduo deve receber. Cabe aos demais planos municipais ou intermunicipais, com trabalho realizado pelos órgãos competentes, direcionarem o tratamento para cada descarte.

Por exemplo, a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana da cidade de São Paulo (Amlurb), órgão responsável pela gestão de resíduos na capital paulista, indica dois guias para os geradores de RCC: um para pequenos geradores, responsáveis por cerca de 70% dos resíduos da cidade, outro para grandes geradores.

A seguir, algumas das indicações quanto à reutilização de materiais dentro ou fora no canteiro de obras dos grandes geradores:

Residuos

 

O guia conta ainda com indicações para o uso de materiais após sua reciclagem, como se vê a seguir:

Residuos

residuos

residuos

 

Do pequeno ao grande gerador, é necessária máxima atenção às determinações das leis e das orientações dos órgãos responsáveis para garantir máxima qualidade na gestão dos resíduos em canteiros de obras.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) traz sua própria classificação de resíduos e alguns planos de gestão podem se pautar nesse modelo para realizar a segregação e o tratamento dos materiais. Pela NBR 10004, os resíduos se dividem em:

Classe I – perigosos;
Classe II-A – não inertes;
Classe II-B – inertes.

Os resíduos inertes são aqueles que, em contato com a água, não sofrem transformações físicas, químicas ou biológicas, e assim não se decompõem e se mantêm praticamente inalterados ao longo do tempo. Exemplos: entulhos de demolição, pedras, areia, sucata de ferro, entre outros.

Os resíduos não inertes, por sua vez, podem apresentar propriedades biodegradáveis, comburentes ou solúveis em água. Se tratados, são materiais que também podem permanecer inativos. Exemplos: restos de madeira, produtos têxteis (incluindo EPIs não contaminados), fibras de vidro, gessos, lixas, entre outros.

Outras indicações da ABNT quanto a RCC, que são:

  • NBR 15112 – Determina os requisitos exigíveis para projeto, implantação e operação de áreas de transbordo e triagem de resíduos da construção civil e resíduos volumosos
  • NBR 15113 – Determina os requisitos mínimos exigíveis para projeto, implantação e operação de aterros de resíduos sólidos da construção civil classe A e de resíduos inertes.
  • NBR 15114 – Determina os requisitos mínimos exigíveis para projeto, implantação e operação de áreas de reciclagem de resíduos sólidos da construção civil classe A.
  • NBR 15115 – Estabelece os critérios para execução de camadas de reforço do subleito, sub-base e base de pavimentos, bem como camada de revestimento primário, com agregado reciclado de resíduo sólido da construção civil, denominado agregado reciclado, em obras de pavimentação.
  • NBR 15116 – Traz requisitos para que agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil sejam utilizados na execução de camadas de pavimentação.

Segundo a Lei 12.305/2010, resíduos perigosos são aqueles que apresentam riscos à saúde pública e ao meio ambiente em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade. Na construção civil, isso inclui também materiais oriundos de demolições em clínicas radiológicas, instalações industriais, lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias, dentre outros. Além, é claro, de equipamentos de proteção individual (EPIs) contaminados.

Os cuidados com resíduos perigosos são mais rigorosos e demandam triagem específica, que deve ser feita por profissional da saúde e da segurança do trabalho habilitado para esse serviço. Assim, exige-se a criação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) e Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT), constatando os procedimentos que serão adotados para manejo adequado dos resíduos.

O responsável pela obra deve contratar empresas especializadas para o transporte do material. Contudo, cada unidade da federação tem legislação própria definindo os critérios para a atuação regular das empresas que fazem o transporte e a destinação final dos resíduos perigosos. Os materiais precisam receber tratamento especial antes de serem despejados em aterros, como coprocessamento, que usa a combustão dos resíduos para gerar o clínquer, matéria-prima na fabricação de cimento.

 

 

Por Victor Hugo Felix, jornalista.

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