Imagens SITE Easy Resize com

Os desafios para prolongar o ciclo de vida dos materiais

Processos de economia circular e logística reversa crescem na construção civil, mas gargalos impedem maior difusão.

 

A construção civil atualmente dispõe de diferentes ferramentas para evitar o descarte desnecessário de materiais. O ciclo de vida dos produtos utilizados em obras, de argamassas a tubulações e revestimentos, tem sido analisado para que se possa encontrar formas de reduzir a geração de resíduos. No entanto, construtoras e fabricantes ainda encontram dificuldades para ampliar essas práticas, ainda que sejam mais sustentáveis e gerem economia.

Uma das estratégias utilizadas pelo setor é a economia circular, que leva as indústrias a reutilizarem materiais descartados da própria linha de produção ou de outras indústrias. Renato Salgado, consultor de sustentabilidade do CTE – Centro de Tecnologia de Edificações, afirma que o método é mais que uma mera reciclagem. “Ela poderia ser traduzida como uma estrutura de soluções baseada em sistemas que buscam eliminar a trágica lógica da nossa economia baseada na extração, uso e descarte de produtos, em um processo linear”, diz

A logística reversa, por outro lado, é um processo no qual o produto descartado retorna para a indústria, onde será reaproveitado por meio de reuso, reciclagem ou reprocessamento. O tema é regulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), que define a logística reversa como um conjunto de ações que visam a coleta e restituição de resíduos sólidos ao setor produtivo, para reaproveitamento, ou destinação final ambientalmente adequada. “É justamente este ʻou’ que enfraquece a busca por destinações que agreguem maior valor ao material, uma vez que, por ’destinação ambientalmente adequada’, pode se entender o envio de resíduos para aterros sanitários regularizados, por exemplo”, opina Renato Salgado.

O consultor afirma que, mundialmente, os debates em torno do ciclo de vida dos materiais na construção civil ainda estão tomando forma, sendo impulsionados por instituições europeias, norte-americanas e asiáticas. No Brasil, a discussão ainda engatinha. “Eu atuo diretamente em mais de 30 projetos de construção e posso afirmar que esse assunto é novidade até para obras que buscam alcançar selos de sustentabilidade para edificações”, analisa.

Segundo Renato Salgado, debates sobre o assunto têm sido encabeçadas por instituições como a Rede Empresarial Brasileira de Avaliação de Ciclo de Vida e a fundação Ellen MacArthur. “Já é possível observar um crescimento da pesquisa sobre o tema, envolvendo empresas de vários segmentos da construção civil, como fabricantes de materiais, consultorias, escritórios de arquitetura e até mesmo construtoras”, pontua.

Segundo Patricia Falcão Bauer, diretora da empresa de engenharia consultiva Falcão Bauer, estima-se que o Brasil desperdice mais de 50% dos resíduos produzidos em suas obras, um número que representa mais de 850 mil toneladas de materiais de construção a cada mês no País. “Enquanto isso, países que apostam em políticas de reaproveitamento de resíduos da construção civil — como é o caso do Reino Unido e Japão — desperdiçam 53 mil e 6 mil toneladas ao ano, respectivamente”

As possibilidades de reaproveitamento de materiais na construção civil são diversas, desde os materiais recicláveis tradicionais, como plástico, vidro e estruturas metálicas, a chapiscos e rebocos que podem ser reprocessados para produção de massa de obra. “Muitos materiais de construção podem ser utilizados para a confecção de móveis. Sobras de madeira, por exemplo, podem dar ótimos bancos ou decks. O material também pode ser utilizado como um aparador para armazenar livros e itens de decoração”, explica Patricia
Falcão Bauer.

 

im Easy Resize com
A produção de cerâmicas tem fácil adesão às práticas de economia
circular, reaproveitando descartes da própria linha de produção. A
dificuldade é integrar o consumidor final na logística reversa.

 

A reutilização de produtos para fins decorativos é uma solução bastante recomendada pela diretora.
Canos de PVC, por exemplo, podem se tornar luminárias e até mesmo vasos, enquanto o porcelanato pode ser reaproveitado em tampos de mesas, armários e prateleiras. “Grande parte dos materiais de construção rejeitados pode ser reutilizada para a mesma função. Mas se você não quiser, pode revendê-los ao mercado por um valor mais acessível. Essa é uma forma de agir com responsabilidade, sustentabilidade, e ainda gerar receita”, diz.

 

A indústria

A economia circular tem sido apontada como uma ferramenta importante para os fabricantes de materiais de construção. É o que afirma Constantino Bueno Frollini, diretor de marketing da Associação Nacional da Indústria Cerâmica (Anicer). “A reutilização não é uma questão secundária. Não se faz porque é bonitinho, mas porque é uma necessidade”. Segundo o profissional, as práticas incluem o consumo de resíduos de outras indústrias, como materiais de moveleiras que geram biomassa para os fornos com energia térmica.

A linha de produção de cerâmicas conta com três etapas de avaliação de qualidade: pós-secagem; pós-extrusão e pós-queima. “Se o produto não está de acordo, ele volta para o início do processo. E todo material extrusado e seco já pode voltar sem fazer reprocessamento”, diz o diretor. A economia circular ajuda a manter os preços das cerâmicas mais baixo, garantindo competitividade no mercado. “Isso traz controle de custo. Se 5% da peça é chamote, uma cerâmica que já foi queimada, então é 5% de argila que não precisa ser extraída”, aponta.

As cerâmicas também podem ser reaproveitadas após o uso pelo consumidor final, mas para isso é necessária uma segregação dos materiais, o que nem sempre acontece. “Acho que a maior dificuldade vem do cliente. Tem que haver separação no canteiro e isso demanda espaço e pessoas para executar”, diz Constantino Bueno Frollini.

Outros setores, como a produção de cimento, encontram o mesmo problema. Bruno Hallack, gerente de meio-ambiente da Lafarge Holcim, pondera que é fundamental que uma construção seja bem planejada e executada para que, após sua construção, ela tenha uma vida útil prolongada. “Quando chega no limite, a nossa assistência técnica tem ações para recuperar, estudando a patologia e encontrando soluções para não ter que demolir”, diz. Se a demolição for inevitável, algumas cidades obrigam recircular o resíduo, separando o concreto do aço que está nos vergalhões. O concreto pode ser britado e moído para utilização em: 1) fabricação de cimento; 2) fabricação de concreto, substituindo areia e agregados.

A economia circular faz parte da estratégia da empresa para reduzir a emissão de CO2 na atmosfera. Além de também utilizar biomassa oriunda de resíduos industriais e urbanos, a Lafarge Holcim reaproveita descartes que seriam destinados a aterros ou lixões. “Na fabricação do cimento, usamos duas matérias primas, calcário (cálcio) e argila (mistura de sílica, alumínio e ferro). Se a argila tem pouca sílica, pode-se corrigir com resíduo industrial que tenha essa característica”, afirma.

Processo semelhante é realizado pela Saint Gobain, de acordo com o engenheiro de produção Wagner
Geraldo Bifulco Neto. Para o profissional, reutilizar minérios na linha produtiva é, ainda, mais vantajosa
para as empresas que a logística reversa. Isso porque é difícil para a indústria estabelecer pontos de coleta dos resíduos de obras, por exemplo, o que demandaria uma conscientização por parte do cliente e um esforço para destinar em local específico. “É difícil conscientizar porque o cliente final não vê ganho nisso. Numa linha de produção é mais fácil, tem maior controle”, opina.

Há ainda questões como custos de frete que impediriam as empresas de investir mais pesadamente
em logística reversa. “A solução seria cada vez mais o mercado agir como engrenagem, com indústrias, clientes e concorrentes alinhados”, afirma Wagner Bifulco Neto. Nessa perspectiva, um produtor deixaria um ponto de coleta em determinado local e uma outra empresa atuaria em conjunto para contribuir com custos de frete, tendo ainda a participação dos clientes se comprometendo a entregar os resíduos de forma adequada. “É uma oportunidade para todo mundo”, pontua.

 

IM Easy Resize com
A distribuição de pontos de coleta da Trashin ajuda na adoção
medidas para reciclar e reaproveitar materiais descartado em canteiros
de obras.

 

Gestão de resíduos

Os profissionais do setor concordam que há poucas empresas no mercado realizando serviços de coleta e destinação adequada dos materiais de construção, de forma a reintegrar os resíduos na cadeia produtiva. Um exemplo de instituição nesse segmento seria a Trashin, startup focada em gestão de resíduos. “A grande maioria tem registro para coleta na construção civil, mas a monetização vem pelo uso das caçambas”, afirma Sergio Finger, CEO da Trashin.

A startup atende a diferentes empresas, como Duratex, Tigre e a construtora Cyrela, realizando a gestão de resíduos desde a produção até o descarte final. Os processos incluem treinamento de colaboradores para reduzir a geração de descartes, sinalização nos espaços para segregar os materiais de forma correta e a destinação dos resíduos, seja revenda para cooperativas, reprocessamento ou descarte em aterros sanitários.

Segundo Sergio Finger, os serviços oferecidos pela Trashin foram uma novidade no mercado, uma vez que na sua fundação, em 2018, não havia procura pelas soluções que a empresa oferta. “O problema existia, mas a demanda talvez não”, afirma. As soluções da Trashin se mostraram muito vantajosas para a construção civil. “Quando uma Cyrela nos procura, tem dois pilares: redução de custos, porque deixa de pagar o aterro mais caro de construção civil e resíduo perigoso, além de ganhar com receita da reciclagem; alcançar valor agregado, porque o público da Cyrela tem preocupação com sustentabilidade”, pontua.

 

Métodos construtivos

É válido lembrar que o debate sobre ciclo de vida dos materiais inclui também o uso racional das matérias primas. Com diferentes métodos construtivos é possível evitar desperdícios, não sendo necessário o consumo de recursos naturais nem o reprocessamento nas linhas produtivas. A construtora Alphaville Urbanismo segue esses procedimentos, segundo o superintendente técnico Ewerton Bonetti. “A construção civil gasta torno de 30% dos materiais em resíduos. O nosso método construtivo reduz 97% dos resíduos”, afirma.

A empresa trabalha com sistemas modulares, light steel frames, wood frames, entre outras soluções
que têm baixo consumo de água e de materiais. E mesmo quando há resíduos, eles são devolvidos à indústria. Para produtos como embalagens e PVC, a empresa realiza parcerias com as coletas seletivas locais, por meio da Fundação Alphaville, entidade dedicada a projetos sociais. E o que é considerado resíduo cinza, ou seja, que contém minerais, inorgânicos, é reaproveitado nas pavimentações dos condomínios e das regiões próximas.

Para Ewerton Bonetti, se o custo das soluções sustentáveis for igual ao das demais soluções, o mercado irá absorver. “As pessoas sentem os efeitos climáticas, mas se não entenderem que precisam de uma parcela de colaboração, não tem como resolver. O ciclo vicioso vai levar o planeta à ruína”, finaliza.

 

*Por Victor Hugo Felix, jornalista.

 

Compartilhe este post